Após as últimas semanas de isolamento que vivemos, prepara-se agora gradualmente o regresso à normalidade. Uma normalidade que será ainda bastante diferente daquilo que conhecíamos, pedindo-se, nesta fase, que se aprenda a conviver com o vírus.
Ora bem, tendo em conta que o vírus veio para ficar e que vamos ter efetivamente de viver com ele, nunca foi tão importante cuidar da sua alimentação e estilo de vida para que o seu sistema imunitário tenha todas as ferramentas necessárias para combater este vírus de forma eficaz, caso haja um possível contágio.
Em primeiro lugar, é importante perceber, de forma muito simplista, como funciona este vírus. O SARS-CoV-2 tem a habilidade de estimular uma libertação descontrolada de citocinas pró-inflamatórias, levando a um efeito de tempestade de citocinas, causando lesão tecidual e danos graves no epitélio respiratório.
Assim sendo, parece que a palavra a reter é inflamação, sendo esta a causa dos danos graves e mesmo da morte. Extrapolando um pouco o raciocínio, quem sofre contágio com um status inflamatório mais elevado, está, à partida, em maior risco de sofrer danos mais severos. E é isso que se tem observado! As pessoas com comorbilidades, nomeadamente obesidade, doenças autoimunes, hipertensão arterial, cancros, são considerados grupos de risco para esta pandemia e possuem, também todos eles, estados inflamatórios mais acentuados.
Portanto, a chave parece ser trabalharmos nos nossos estilos de vida, para melhorarmos o nosso status inflamatório e assim diminuirmos o risco de sofrer de uma doença crónica não transmissível. Ao mesmo tempo, é importante fornecermos as ferramentas para que o nosso sistema imunitário seja capaz de uma resposta adequada em caso de contágio. Como é que isso se faz?
Em primeiro lugar, e isto é, de longe, o ponto mais importante de todo este artigo. O grande segredo, o grande milagre, a pílula mágica para melhorar a sua alimentação do dia para noite é só um, coma COMIDA! Mas comida de verdade, daquela que não tem ingredientes, nem rótulos, nem marketing ou alegações de saúde. Falo de carne, peixe, marisco, ovos, vegetais, fruta, oleaginosas. Simples assim!
Comer comida de verdade deixa-o num ponto muito mais à frente que a grande maioria das outras pessoas no que toca à capacidade de resposta do seu sistema imunitário. Isto porque, quando comemos alimentos de verdade, o seu organismo recebe uma panóplia variada de vitaminas, minerais, antioxidantes, fitoquímicos, polifenóis, tudo aquilo que o organismo necessita para funcionar de forma correta. No entanto, e tendo em conta as necessidades e os requisitos específicos de cada indivíduo, é de extrema importância a individualização, razão pela qual é essencial ser acompanhado por um profissional da área da nutrição.
Outro ponto de extrema importância e que está diretamente relacionado com o anterior: a nossa imunidade começa no intestino e, portanto, ter um microbiota diversificado e saudável e uma mucosa intestinal íntegra é essencial. Sabemos que o microbiota é um grande responsável pelo status inflamatório do organismo, sendo, portanto, de máxima importância cuidarmos das nossas bactérias intestinais.
Para tal, é essencial o consumo adequado de fibra, solúvel e insolúvel. E portanto, voltamos a falar de frutas e vegetais! Estas deverão estar presentes em grandes quantidades na dieta de todos nós. Para além da fibra, o consumo de alimentos fermentados deve ser incentivado, nomeadamente vegetais fermentados (como por exemplo chucrute), kombucha e kefir, como forma de modular o microbioma e reparar a mucosa intestinal.
Tendo em conta que o vírus SARS CoV-2 é relativamente recente, ainda não são muitos os estudos que nos mostrem quais os compostos ativos que têm uma ação direta no vírus. No entanto, conhecendo o mecanismo de atuação do SARS CoV-2, podemos aferir ou deduzir quais os compostos que vão atuar na diminuição da capacidade do vírus infetar as nossas células, diminuir a replicação viral e dar suporte ao nosso sistema imunológico.
Assim sendo, existem alguns compostos ativos, vitaminas e minerais que atuam nestas diferentes vias. Alguns destes compostos podem ser obtidos através de suplementação específica e outros através da alimentação. No entanto, é preciso relembrar que a suplementação deve ser prescrita por um profissional de saúde, tendo em conta as necessidades e o historial clínico de cada um. Não é adequado tomar suplementos sem haver um motivo clínico que o justifique.
Naturalmente que nenhum destes suplementos impede o contágio e, neste sentido, apenas as medidas de higiene adequadas e o distanciamento social são eficazes. Não obstante, em caso de contágio, o nosso sistema imunitário tem de ser o mais eficaz a combater o vírus e a diminuir os sintomas associados.
Os seguintes nutrientes e compostos ativos de forma isolada parecem ser grandes aliados:
Vitamina A: desempenha um papel importante na função imune, regulando as respostas imunes celulares e humorais (Huang et al., 2018). A nível alimentar pode ser encontrada nas vísceras dos animais, como fígado, e nas gemas dos ovos. A suplementação só deve ser considerada caso se confirmem défices a nível sérico.
Vitamina C: contribui para a defesa imunológica, melhorando a quimiotaxia e fagocitose (Beveridge, Wintergerst, Maggini and Hornig, 2008). A suplementação com vitamina C pode não ser necessária caso a ingestão alimentar seja adequada. Para isso, é necessário consumir frutas e vegetais ricos em vitamina C ao longo do dia, nomeadamente kiwis, citrinos, morangos, pimentos, agrião e salsa.
Vitamina D: participa na modulação da resposta tanto do sistema imune inato como adaptativo. Parece haver uma relação entre o status de vitamina D do indivíduo e a resposta antiviral contra infeções respiratórias (Jayawardena et al., 2020). A suplementação só deve acontecer caso existam défices, mas esta é muitas vezes necessária, especialmente durante os meses de Inverno.
Zinco: participa no funcionamento do sistema imunitário e diminui a replicação viral, reduzindo a gravidade das infeções. A deficiência de zinco está assim associada a uma maior susceptibilidade a infeções virais (Read, Obeid, Ahlenstiel and Ahlenstiel, 2019). No entanto, e uma vez mais, a suplementação só deve ser feita caso se verifiquem défices comprovados deste mineral. Na alimentação, pode ser encontrado nas ostras, na carne vermelha e nas sementes de girassol.
Selénio: possui propriedades anti-inflamatórias e um efeito antioxidante. A deficiência de selénio está associada com uma função imune mais débil (Rayman, 2012). O consumo diário de castanhas do Brasil pode auxiliar na obtenção de valores adequados de selénio no organismo.
Melatonina: tem um efeito antioxidante e anti-inflamatório e promove uma diminuição nas citocinas inflamatórias em circulação (Zhang et al., 2020). A suplementação pode ser necessária, dependendo das necessidades do indivíduo.
Estas são algumas das estratégias a aplicar em termos alimentares. No entanto é importante (re)lembrar que as mudanças a efetuar devem ser de estilo de vida, onde se devem incluir hábitos de exercício físico regular, adequação de padrões de sono, gestão de stress e diminuição da exposição a toxinas. Todas estas alterações contribuirão para a diminuição da inflamação e para melhoria da função do sistema imunitário, tão importante para os tempos actuais e para a melhoria da nossa qualidade de vida.
Andreia Luís de Castro
Referências:
Beveridge, S., Wintergerst, E., Maggini, S. and Hornig, D., 2008. Immune-enhancing role of vitamin C and zinc and effect on clinical conditions. Proceedings of the Nutrition Society, 67(OCE1).
Huang, Z., Liu, Y., Qi, G., Brand, D. and Zheng, S., 2018. Role of Vitamin A in the Immune System. Journal of Clinical Medicine, 7(9), p.258.
Jayawardena, R., Sooriyaarachchi, P., Chourdakis, M., Jeewandara, C. and Ranasinghe, P., 2020. Enhancing immunity in viral infections, with special emphasis on COVID-19: A review. Diabetes & Metabolic Syndrome: Clinical Research & Reviews, 14(4), pp.367-382.
Rayman, M., 2012. Selenium and human health. The Lancet, 379(9822), pp.1256-1268.
Read, S., Obeid, S., Ahlenstiel, C. and Ahlenstiel, G., 2019. The Role of Zinc in Antiviral Immunity. Advances in Nutrition, 10(4), pp.696-710.
Zhang, R., Wang, X., Ni, L., Di, X., Ma, B., Niu, S., Liu, C. and Reiter, R., 2020. COVID-19: Melatonin as a potential adjuvant treatment. Life Sciences, 250, p.117583.
A International Society of Sports Nutrition (ISSN) publicou um “position stand” em 2017 (ver referência abaixo) acerca da segurança e eficácia da suplementação com creatina no contexto do exercício, desporto e medicina.
A suplementação com creatina, um dos mais populares e estudados suplementos nutricionais, tem de facto mostrado ser eficaz em melhorar a performance atlética (sobretudo em exercício de alta intensidade) e induzir adaptações ao treino relevantes. O aumento consequente das reservas intramusculares de creatina (e fosfocreatina) facilita a ressíntese rápida de ATP, denominada como “moeda de troca” energética essencial para quase todas as reacções no nosso corpo. Assim, o aumento da disponibilidade de creatina na célula através da suplementação contribui para melhorar o desempenho, pois aumenta a disponibilidade de energia para exercício (i.e., contracção muscular), bem como para todo um espectro de outras reacções relacionadas com as células musculares. De facto, suplementação de creatina pode aumentar a capacidades de produção de força, trabalho muscular, acelerar a recuperação e ajudar a prevenir lesões.
Adicionalmente, a suplementação com creatina parece ser altamente segura e eficaz não só em atletas mas também em não-atletas (tais como os chamados entusiastas do exercício físico) e ainda em várias populações clínicas. De facto, vários estudos (ver artigo da ISSN, referência abaixo) apontam para benefícios na suplementação de creatina nas mais variadas populações e contextos clínicos, tais como:
– Acelerar a reabilitação de lesões (porque atenua a atrofia muscular);
– Protecção de lesões neuronais (medulares e cerebrais);
– Atenuar as consequências debilitantes em pessoas com síndromas congénitos de deficiência de síntese de creatina;
– Atenuar a progressão de doenças neurodegenerativas (e.g. doença de Huntington, doença de Parkinson, doenças mitocondriais, esclerose lateral amiotrófica)
– Prevenir e/ou melhorar a bioenergética em pacientes com isquemia do miocárdio ou vítimas de acidente vascular cerebral;
– Melhorar indicadores metabólicos e funcionais associados ao envelhecimento;
– Possível benefício durante a gravidez para o óptimo crescimento, desenvolvimento e saúde do feto.
Em conclusão, a creatina parece de facto ser um suplemento nutricional seguro e com benefícios para as mais variadas populações e idades. Este é um suplemento que de facto funciona!
Desfruta do poder da creatina!
Nuno Correia
Referências:
Kreider, R.B. et al., 2017. International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14(1), p.18. Available at: http://jissn.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12970-017-0173-z.
Para manterem a função física, recuperarem melhor de lesões, manterem massa magra e manterem-se mais saudáveis de um modo geral, indivíduos mais velhos necessitam de uma maior ingestão de proteína do que indivíduos jovens. Uma ingestão maior de proteína contribui para atenuar processos inflamatórios e catabólicos, bem como o decréscimo de eficiência no metabolismo da proteína associado com a idade.
De acordo com as recomendações avançadas pelo PROT-AGE Study Group (2013) (referência abaixo), indivíduos mais velhos deverão:
– ingerir PELO MENOS 1 a 1.2 g/kg de peso corporal de proteína por dia;
– ingerir AINDA MAIS se sofrem de doenças agudas ou crónicas, entre 1.2-1.5 g/kg de peso corporal de proteína por dia;
– ingerir AINDA MAIS se se encontram sub-nutridos e/ou sofrem duma doença ou lesão severa, ~2g/kg de peso corporal de proteína por dia;
– limitar a ingestão de proteína se sofrem de DOENÇA RENAL SEVERA E NÃO ESTÃO EM HEMODIÁLISE, sendo portanto UMA EXCEPÇÃO. E não, a doença renal NÃO é provocada pela ingestão de proteína;
– usar suplementação para atingir os níveis de ingestão de proteína desejados;
– E, claro, FAZER EXERCÍCIO que promova de forma mais eficaz a manutenção ou incremento de massa magra, ou seja, treino de força.
E não, a doença renal NÃO é causada pela ingestão de proteínas. Num estudo em que se acompanhou durante o período de um ano homens treinados em treino de força que consumiam ~2,51-3,32g/kg de peso corporal por dia durante um ano, não se verificou quaisquer efeitos prejudiciais no perfil lipídico de no sangue, bem como nas funções hepática e renal (Antonio et al, 2016).
A manutenção de força e massa magra (inclui massa muscular, massa óssea e do tecido conjuntivo) estão identificados como os primeiros e mais relevantes biomarcadores de saúde e longevidade. A melhoria destes marcadores produz um “efeito dominó” positivo e poderoso na grande parte (provavelmente todos) dos outros marcadores de saúde. A ingestão adequada de proteína e treino de força é essencial para construção de massa magra. E ainda mais determinante à medida que envelhecemos para contrapor a inevitável perda progressiva de eficiência no nosso metabolismo.
Não receie a proteína nem o treino de força. Estes são, provavelmente, dois dos seus melhores aliados para viver melhor e mais tempo.
Bom almoço e não se esqueça da proteína!
Nuno Correia
Referências:
Bauer, J. et al., 2013. Evidence-based recommendations for optimal dietary protein intake in older people: A position paper from the prot-age study group. Journal of the American Medical Directors Association, 14(8), pp.542–559.
Antonio, J., Ellerbroek, A., Silver, T., Vargas, L., Tamayo, A., Buehn, R., & Peacock, C. A. (2016). A High Protein Diet Has No Harmful Effects: A One-Year Crossover Study in Resistance-Trained Males. Journal of nutrition and metabolism, 2016, 9104792.
Recentemente, a International Society of Sports Nutrition publicou um “position stand” (ver referência abaixo) acerca da segurança e eficácia da suplementação com creatina no contexto do exercício, desporto e medicina.
A suplementação com creatina, um dos mais populares e estudados suplementos nutricionais, tem de facto mostrado ser eficaz em melhorar a performance atlética (sobretudo em exercício de alta intensidade) e induzir adaptações ao treino relevantes. O aumento consequente das reservas intra-musculares de creatina (e fosfocreatina) facilita a resíntese rápida de ATP (“moeda de troca” energética essencial para quase todas as reacções no nosso corpo) e dessa forma contribui para melhorar a performance porque aumenta a capacidade de produção de força, trabalho muscular, acelera a recuperação e parece contribuir para prevenir lesões.
Contudo, a suplementação com creatina parece ser altamente segura e eficaz em atletas, não-atletas (entusiastas do exercício físico) e ainda em várias populações clínicas. De facto, vários estudos (ver artigo da ISSN, referência abaixo) apontam para benefícios na suplementação com creatina nas mais variadas populações e contextos clínicos, tais como:
– Acelerar a reabilitação de lesões (porque atenua a atrofia muscular);
– Protecção de lesões neuronais (medulares e cerebrais);
– Atenuar as consequências debilitantes em pessoas com síndromas congénitos de deficiência de síntese de creatina;
– Atenuar a progressão de doenças neurodegenerativas (e.g. doença de Huntington, doença de Parkinson, doenças mitocondriais, esclerose lateral amiotrófica);
– Prevenir e/ou melhorar a bioenergética em pacientes com isquemia do miocárdio ou vítimas de acidente vascular cerebral;
– Melhorar indicadores metabólicos e funcionais associados ao envelhecinento;
– Possível benefício durante a gravidez para o óptimo crescimento, desenvolvimento e saúde do feto.
Em conclusão, a creatina parece de facto ser um suplemento nutricional seguro e com benefícios para as mais variadas populações e idades.
Nuno Correia
Referências:
Kreider, R.B. et al., 2017. International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14(1), p.18.
PODERÁ A RESTRIÇÃO CALÓRICA OU O JEJUM INTERMITENTE CONTRIBUIR PARA EVITAR “DOENÇAS DA IDADE” E VIVER MAIS TEMPO? – PARTE 3
Veja aqui a parte 1 e a parte 2
Implicações e aplicações práticas da restrição calórica e jejum intermitente
E agora…será que a prática de restrição calórica (RC) ou jejum pode ter valor terapêutico em humanos?
Como foi referido anteriormente (parte 1), estudos randomizados e controlados em humanos a estudar os efeitos da RC e jejum em humanos são mais escassos. Não é fácil encontrar voluntários para se sujeitarem ao “desconforto” de ingerir menos comida.
Só um aparte…
Diga-se de passagem que mudar o que quer que seja na alimentação de alguém pode ser uma tarefa difícil! De facto, e baseado na minha experiência, as pessoas são em geral altamente resistentes em mudar seja o que for nos seus padrões alimentares e tendem a defendê-los com “unhas e dentes”! Elaboram os mais variados racionais (e muito sofisticados por vezes…como o típico “mas o meu avô tem 90 anos e sempre comeu isto ou aquilo”) para simplesmente justificar a ingestão deste ou aquele alimento que no fundo “apenas” gostam de ingerir. A nutrição é para alguns uma religião, acreditem…!
Voltando aos estudos com humanos…
A outra razão prática para o facto de haver escassez de estudos controlados e randomizados em humanos sobre os efeitos da RC ou jejum para estudar os seus efeitos na esperança de vida e a incidência de “doenças da idade” prende-se com o facto da esperança de vida humana ser longa.
Contudo, alguns estudos randomizados e controlados em humanos apontam para benefícios claros da prática de RC em determinadas populações. Seguidamente estão resumidos alguns desses estudos, tipo de intervenção e efeitos significativos verificados.
- Wang et al. (2013)
- Amostra: indivíduos obesos.
- Intervenção: 5 dias de 30% de RC (low-fat/high-carb ou high-fat/low-carb) após período de dieta isocalórica.
- Resultados significativos:
- As dietas de RC desceram os níveis de insulina e leptina em jejum aumentando os níveis de ácidos gordos livres (o que indica mobilização das reservas de gordura);
- Sensibilidade à insulina não melhorou significativamente (talvez devido ao curto período de 5 dias), contudo a sinalização de insulina no músculo (em resposta à insulina) aumentou apenas dos sujeitos na dieta low-fat/high-carb. Atenção que este efeito na sinalização de insulina em resposta à dieta low-fat/high-carb (e não na dieta high-fat/low-carb) pode representar apenas uma resposta adaptativa transiente devido à maior carga glicémica da dieta. A duração curta do estudo não permite concluir uma melhoria sustentada na regulação de insulina.
- Kitzman et al. (2016)
- Amostra: indivíduos obesos e idosos (67±5 anos) com insuficiência cardíaca.
- Intervenção: 20 semanas de RC (défice de 350-400kcal/dia) com ou sem exercício (1 hora de caminhada 3 dias por/semana).
- Resultados significativos:
- Tanto a RC como o exercício (separadamente) incrementaram a capacidade aeróbia (indicado pelo aumentos de VO2 pico), com efeitos ainda maiores se combinados;
- Tanto a RC como o exercício (separadamente) melhoraram a composição corporal (perda de massa gorda) com efeitos ainda maiores se combinados;
- A RC (mas não o exercício) reduziu o marcador inflamatório proteína C reactiva (CRP) e estava correlacionada com a perda de peso.
- Snel et al. (2012)
- Amostra: indivíduos obesos com diabetes mellitus tipo 2 (T2DM) e insulino-dependentes.
- Intervenção: 16 semanas de RC (450kcal/dia) com ou sem exercício (1 hora + 4 sessões de 30 minutos num cilcloergómetro por semana).
- Resultados significativos:
- Tanto a RC como o exercício melhoraram os níveis de glucose, insulina e hemoblogina glicosilada (HbA1c) em jejum;
- O grupo RC + exercício perdeu mais gordura e perímetro na cintura em comparação ao grupo apenas em RC;
- Tanto a RC como o exercício aumentaram a expressão dos receptores e sinalização de insulina (revelado por biópsia muscular) bem como a sensibilidade periférica à insulina.
- Pedersen et al. (2015)
- Amostra: indivíduos com sobrepeso ou obesos, não diabéticos com doença das artérias coronárias.
- Intervenção: 12 semanas de RC (800-1000kcal/day) com ou sem exercício (treno aeróbio intervalado 3 dias/semana).
- Resultados significativos:
- Separadamente, a RC foi superior ao exercício na perda de peso corporal, massa gorda e perímetro na cintura, bem como glicémia em jejum, sensibilidade à insulina e tolerância à glucose. Contudo, a RC conduziu a melhores resultados quando combinado com o programa de exercício.
- Razny et al. (2015)
- Amostra: indivíduos obesos não-diabéticos
- Intervenção: 3 meses de RC (1200-1500kcal/dia) com ou sem 1.8 g/dia de ácidos gordos omega-3 (num rácio de 5:1 de DHA/EPA).
- Resultados significativos:
- RC com ou sem suplementação com omega-3 resultou em decréscimo no peso corporal e massa gorda semelhantes;
- RC teve um efeito positivo superior nos níveis de triglicéridos e insulina qaundo combinado com suplementação com omega-3;
- RC + omega-3 (mas não apenas RC) melhorou indicadores de resistência à insulina (indíce HOMA).
- Prehn et al. (2016)
- Amostra: mulheres obesas em idade pós-menopausa.
- Intervenção: 12 semanas de RC (<800kcal/dia) seguido de 4 semanas numa dieta isocalórica ou 16 semanas duma dieta isocalórica (control group). Recomendação de aumentar a actividade física por semana.
- Resultados significativos:
- RC (mas não a dieta isocalórica) resultou em scores melhores em testes de performance de memória;
- RC (mas não a dieta isocalórica) resultou numa melhoria do controlo glicémico e dos níveis de HbA1c;
- O incremento na densidade na matéria cinzenta cerebral induzido pela RC revelou-se negativamente correlacionado com os níveis de glucose.
Recomendações e conclusões
De facto, intervenções de RC ou jejum parecem realmente ter clara utilidade terapêutica na melhoria de parâmetros de saúde relacionados com obesidade, inflamação, resistência à insulina, stress oxidativo e função cardíaca. É importante notar que apenas reduzir a quantidade de comida ingerida pode não ser suficiente e porventura pouco recomendável. Uma intervenção simplista desse género e prolongada no tempo pode resultar em défices nutricionais e por essa via boicotar resultados positivos para a saúde. Por isso, é importante monitorizar e garantir níveis adequados de nutrientes através de suplementação e/ou na escolha de alimentos nutricionalmente densos. De realçar também os efeitos sinérgicos positivos que a RC parece ter quando combinada com exercício (Snel et al., 2012; de Luis et al., 2015; Kitzman et al., 2016), podendo ser prescritos concomitantemente. Neste sentido, uma intervenção de RC muito ligeira (e.g. défice de 10%) ou um períodos de jejum intermitente curtos (>12 horas e não precisa de ser todos os dias) combinado com exercício poderá ter efeitos muito positivos e com eventual maior probabilidade de adesão do que intervenções de RC ou jejum mais agressivas.
Naturalmente, que RC severa, prolongada no tempo e sem exercício (especialmente treino de força) pode induzir perda de massa magra que é altamente indesejável se o objectivo é melhorar a saúde. Mais uma vez, e como em quase tudo, a dose correcta é o segredo! Em certas populações como grávidas (ou mulheres a tentar engravidar) e indivíduos jovens em crescimento, intervenções prolongadas de RC deverão ser evitadas pois podem comprometer o desenvolvimento. Contudo, volto a realçar que o mais determinante não é ingerir “calorias” mas sim ingerir “nutrientes”! Em indivíduos mais velhos com sarcopenia a RC deverá ser porventura evitada, embora os factores mais determinantes para inverter um quadro de sarcopenia são treino de força e ingestão adequada de proteína diária (que deve ser mais mais elevada para indivíduos mais velhos, >2g/kg de peso corporal).
Em relação ao caso específico do jejum intermitente (nota: o enfoque deste artigo não é discutir a utilização do jejum intermitente como estratégia de perda de gordura e/ou manutenção ou ganhos de massa muscular no contexto desportivo, mas sim os seus potenciais benefícios para a saúde geral), apesar dos poucos estudos controlados e randomizados em humanos, este parece oferecer efeitos positivos semelhantes aos da RC constante e será porventura mais fácil de implementar (Donati et al., 2008; Marzetti et al., 2009; Alirezaei et al., 2010; Arum et al.; 2014; Godar et al., 2015). Episódios pontuais de jejum (e.g. não tomar pequeno-almoço uma a duas vezes por semana em dias que não se treina por exemplo) não só poderá ser uma estratégia de fácil implementação para controlo semanal total de calorias ingeridas, como permite um efeito hormético positivo que é mediado por alguns dos mecanismos atrás descritos. O conceito de hormese é definido como um efeito benéfico na saúde, na resistência ao stress, no crescimento ou na longevidade – resultante da exposição a uma dose “adequada” a um agente stressor.
Em resumo, a RC ou jejum (ou o exercício) é algo para o qual estamos evolutivamente desenhados para tolerar e que na dose correcta oferece-nos benefícios e maior resiliência. Ou seja, o stress pontual de não comer pode ser um “desconforto saudável”!
Até à próxima!
Nuno Correia
Bibliografia e Referências
Alirezaei, M. et al., 2010. Short-term fasting induces profound neuronal autophagy. Autophagy, 6(6), pp.702–710.
Arum, O. et al., 2014. Preservation of blood glucose homeostasis in slow-senescing somatotrophism-deficient mice subjected to intermittent fasting begun at middle or old age. Age, 36(3), pp.1263–1290.
de Luis, D.A. et al., 2015. Response of osteocalcin and insulin resistance after a hypocaloric diet in obese patients. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 19(12) pp.2174–2179.
Donati, A. et al., 2008. Effect of Aging and Anti-Aging Caloric Restriction on the Endocrine Regulation of Rat Liver Autophagy. Journal of Gerontology: BIOLOGICAL SIENCES, 63(6), pp.550–555.
Dröge W., 2009. Avoiding the First Cause of Death. New York, Bloomington. iUniverse, Inc.
Godar, R.J. et al., 2015. Repetitive stimulation of autophagy-lysosome machinery by intermittent fasting preconditions the myocardium to ischemia-reperfusion injury. Autophagy. 11(9), pp.1537-1560.
Kitzman, D.W. et al., 2016. Effect of Caloric Restriction or Aerobic Exercise Training on Peak Oxygen Consumption and Quality of Life in Obese Older Patients With Heart Failure With Preserved Ejection Fraction: A Randomized Clinical Trial. Jama, 315(1), pp.36–46.
Lindeberg, S., 2010. Food and Western Disease: Health and Nutrition from an Evolutionary Perspective. Oxford, United Kingdom: Wiley-Blackwell.
Marzetti, E. et al., 2009. Cellular mechanisms of cardioprotection by calorie restriction: state of the science and future perspectives. Clinics in Geriatric Medicine, 25(4), pp.715–732.
Masoro.E. L., 2002. Caloric Restriction: A Key to Understanding and Modulating Aging. Texas, USA: ELSEVIER.
Pedersen, L.R. et al., 2015. A randomized trial comparing the effect of weight loss and exercise training on insulin sensitivity and glucose metabolism in coronary artery disease. Metabolism: Clinical and Experimental, 64(10), pp.1298–1307.
Prehn, K. et al., 2016. Caloric Restriction in Older Adults—Differential Effects of Weight Loss and Reduced Weight on Brain Structure and Function. Cerebral Cortex in press, pp.1–14.
Razny, U. et al., 2015. Effect of caloric restriction with or without n-3 polyunsaturated fatty acids on insulin sensitivity in obese subjects: A randomized placebo controlled trial. BBA Clinical, 4, pp.7–13.
Snel, M. et al., 2012. Effects of adding exercise to a 16-week very low-calorie diet in obese, insulin-dependent type 2 diabetes mellitus patients. Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, 97(7), pp.2512–2520.
Wang, C. C. L., 2013. Insulin Signaling in Obese Individuals During Caloric Restriction. Metabolism, 62(4), pp.595–603.
PODERÁ A RESTRIÇÃO CALÓRICA OU O JEJUM INTERMITENTE CONTRIBUIR PARA EVITAR “DOENÇAS DA IDADE” E VIVER MAIS TEMPO? – PARTE 2
Veja aqui a parte 1
Que mecanismos subjazem aos efeitos da restrição calórica ou jejum intermitente na longevidade e “doenças da idade”?
Mas afinal o que é “envelhecer”…e porquê…?
Envelhecer tem sido caracterizado por vários autores como um processo de deterioração progressiva das estruturas e funções moleculares, celulares e dos tecidos que está condicionada por factores genéticos e ambientais (Hu & Liu, 2014). Este processo multifactorial e complexo torna o indivíduo mais vulnerável à doença e conduz, no último momento, à morte. As principais determinantes (resultante de predisposição genética e factores ambientais) que caracterizam o processo de envelhecimento ao nível celular têm sido apontadas como sendo: danos causados por radicais livres; disfunção mitocondrial que resulta numa acumulação de espécies reactivas de oxigénio (ROS) e consequente stress oxidativo; decréscimo e ineficiência da autofagia (um processo conservado evolutivamente de reciclagem e “limpeza” essencial para a integridade celular – detalhes mais à frente); alterações nos processos de sinalização relacionados com hormonas como o factor de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1), insulina e hormona do crescimento; alteração no metabolismo do colesterol e da glucose; encurtamento dos telómeros (Testa et al., 2014).
Ora, parece que o processo de envelhecimento é de facto multifactorial. Provavelmente as várias teorias de envelhecimento (parte 1) estão correctas! Em geral, os processos moleculares vão-se tornando mais ineficientes, lentos e o sistema vai caminhando progessivamente para a entropia. Contudo, parece que conhecer o processo de autofagia (cujo declínio está associado ao envelhecimento) pode oferecer uma “nova” perspectiva sobre o envelhecimento. Autofagia (ou “auto-digestão”) tem sido definido como um processo catabólico (normal e importante) que se caracteriza pela degradação nos lisossomas (organelo celular que funciona como “depósito de lixo”) de organelos danificados, proteínas “defeituosas” e patogénios intracelulares (Lavallard et al., 2012). A autofagia proporciona a degradação e reciclagem de macromoléculas, fornecendo não só novos nutrientes e energia durante restrição energética (durante restrição calórica ou jejum), mas também prevenindo a acumulação de resíduos celulares e agregados de proteínas no citoplasma. Logo, a autofagia constitui um processo protector e essencial para a homeostasia celular (Rubinsztein, Mariño & Kroemer, 2011) (nota: fiquem descansados os que pensam que a autofagia vai “comer os músculos todos” por ficarem umas horas sem comer. Isso não acontece!). De facto, vários autores têm apontado uma deficiente capacidade autofágica como um mediador importante de senescência celular e consequente ocorrência de “doenças ou características da idade” como: doenças cardiovasculares e neurodegenerativas; stress oxidativo; sistema imunitário débil; inflamação crónica; osteoporose; sarcopenia; diabetes; obesidade; cancro (Pallauf & Rimbach, 2013; Pyo, Yoo & Jung, 2013). Especificamente, revisões de estudos mecanicistas com animais têm indicado que a perda de função nos genes relacionados com a autofagia (autophagy-related genes – ATGs) resultaram na acumulação intracelular de proteínas e organelos defeituosos e consequentemente na aceleração do envelhecimento, enquanto que a promoção da actividade autofágica aumentou a esperança de vida (Yen & Klionsky 2008).
Nota: Os mecanismos de autofagia parecem realmente estar na ordem do dia com atribuição do Prémio Nobel 2016 da Medicina ao biólogo japonês Yoshinori Ohsumi. As suas descobertas nos mecanismos de autofagia apontam no sentido de que esse processo de limpeza e reciclagem celulares é essencial para prevenir doenças neurodegenerativas e outras. Os interessados poderão consultar o seguinte link: https://www.theguardian.com/science/live/2016/oct/03/nobel-prize-in-medicine-2016-to-be-announced-live.
De um modo geral, e desde os primeiros estudos em ratos pelo Dr. Clive McCay em 1935, que a restrição calórica tem sido extensivamente revista e reconhecida como uma estratégia anti-envelhecimento “potente”! Intervenções em vários tipos de espécies animais (desde invertebrados a mamíferos de maior porte como primatas) têm demonstrado que a restrição calórica (sem subnutrição) não só aumenta a esperança de vida (média e máxima), como atrasa o início das chamadas “doenças da idade” (Martin, Mattson & Maudsley, 2006; Xiang & He, 2011; Lee & Min, 2013; Kitada & Koya, 2013b; Szafranski & Mekhail, 2014; Testa et al., 2014). O regime de jejum intermitente (nada mais do que uma estratégia de restrição calórica como foi descrito na parte 1 deste artigo) parece oferecer o mesmo tipo de benefícios (Martin, Mattson, & Maudsley, 2006; Robertson & Mitchell 2013).
Ora, os mecanismos pelos quais a restrição calórica ou jejum induzem benefícios para a saúde parecem estar (em grande medida) relacionados com esta relação antagónica entre sinalização de insulina e autofagia. Está fácil de perceber, sendo a autofagia um processo catabólico (essencial, normal e protector, volto a salientar) e a activação das vias relacionadas com a sinalização a insulina um processo anabólico (igualmente importante e essencial na síntese proteica, a insulina não é a “má da fita”), quando uma das vias está activada a outra terá que estar inibida. Em termos práticos, o jejum activa a “maquinaria” da autofagia e ingerir uma refeição (sobretudo contendo proteína e/ou hidratos de carbono) activa a “maquinaria” da sinalização de insulina. O que parece ser essencial é de facto que haja períodos que permita o processo de eliminação e reciclagem proporcionado pela autofagia, e para isso acontecer é preciso não comer durante algum tempo (pelo menos 10-12 horas). Se não houver “espaço” para este processo (devido à ingestão constante de comida), isto poderá conduzir a um estado de sinalização de insulina “aberrante”, que poderá conduzir a muitas doenças normalmente associadas com um metabolismo deficiente da glucose e da insulina e que coincidem com as chamadas “doenças da idade”.
(Aviso: os menos “nerds” devem saltar o parágrafo seguinte)
Resumidamente, alguns dos mecanismos identificados em estudos com animais e que parecem estar subjacentes aos benefícios para a saúde induzidos pela restrição calórica ou jejum intermitente através regulação da sinalização das vias da autofagia e da insulina são: 1) Inibição da sinalização da via insulina/IGF-1 (devido à diminuição de aminoácidos e glucose circulantes) e das suas vias alvo protein kinase B (PKB)/mammalian target of rapamycin (mTOR); 2) Activação da via da sirtuína 1 (SIRT1), devido ao aumento no rácio de NAD+/NADH, e cujas vias alvo incluem a activação da adenosine monophosphate protein kinase (AMPK), factores de transcrição forkhead box O (FOXO), proliferator-activated receptor-gamma coactivator 1-alpha (PGC-1α) (um factor de biogénese mitocontrial), e inibição do factor de transcrição pró-inflamatório NFkB; 3) Activação da via da AMPK, devido ao aumento intracelular do rácio AMP/ATP, que por sua vez induz uma regulação positiva dos factores de transcrição FOXO e PGC-1α e inibição da via PKB/mTOR. (Martin, Mattson & Maudsley, 2006; Han & Ren 2010; Rubinsztein, Mariño & Kroemer, 2011; Yen & Klionsky, 2008; Xiang & He, 2011; Pallauf, & Rimbach, 2013; Pyo, Yoo, & Jung, 2013; Hu & Liu, 2014; Szafranski & Mekhail, 2014; Amigo & Kowaltowski, 2014; Testa, G. et al., 2014; Madeo et al., 2015).
Em humanos, apesar da menor abundância de estudos controlados e randomizados (pelos motivos referidos na parte 1 deste artigo), várias revisões de estudos de intervenção e observacionais (Yen & Klionsky, 2008; Marzetti, E. et al., 2009; Han & Ren 2010; Robertson & Mitchell, 2013; Testa et al., 2013; Madeo et al., 2015; Fan et al., 2016) indicam que os putativos benefícios para a saúde induzidos pela restrição calórica ou jejum intermitente têm por base os mesmos mecanismos relacionados com a sinalização das vias da insulina e regulação da autofagia. Alguns benefícios apontados incluem: maior longevidade saudável; melhor perfil lipídico; pressão arterial controlada; optimização da função diastólica e sistólica; melhor controlo homeostático da insulina e glucose; melhor sensibilidade à insulina e glucose; menor incidência de doenças neurodegenerativas; menor adiposidade; melhor biogénese mitocondrial no músculo esquelético; maior capacidade antioxidante; menores níveis de ROS e stress oxidativo.
* Poderá a Restrição calórica/ Jejum intermitente (CR/IF) atenuar a ocorrência de doenças da idade através da regulação da sinalização “aberrante” de insulina e autofagia?
Em conclusão, o efeito da restrição calórica ou jejum intermitente na regulação da sinalização de insulina e da autofagia parece emergir como um eixo regulatório central que merece atenção (pelo menos da minha parte).
Na terceira parte deste artigo abordarei então quais poderão ser implicações e aplicações práticas de restrição calórica ou jejum. Devemos todos fazer restrição calórica? De forma permanente e quanto? Em que fase da vida? Em que condições de saúde? Será que é na “intermitência” que estão os melhores ganhos?
Fiquem por aí!
Nuno Correia
Bibliografia e Referências
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PODERÁ A RESTRIÇÃO CALÓRICA OU O JEJUM INTERMITENTE CONTRIBUIR PARA EVITAR “DOENÇAS DA IDADE” E VIVER MAIS TEMPO? – PARTE 1
Introdução
Neste artigo debruçar-me-ei sobre a possibilidade da restrição calórica ou jejum intermitente constituírem estratégias terapêuticas nutricionais eficazes para prevenir, amenizar ou mesmo eliminar algumas “doenças ditas da idade” e dessa forma contribuir para viver melhor e mais tempo. É importante referir que a maior parte dos estudos sobre os efeitos de restrição calórica ou jejum intermitente (ou restrição calórica intermitente) na esperança de vida são de carácter mecanicista e conduzidos em modelos animais e/ou in-vitro. É compreensível a existência duma menor abundância de estudos de intervenção em humanos nesta área. Se pensarmos um pouco, não é fácil conduzir estudos em humanos sujeitos a restrição calórica para estudar os seus efeitos na esperança de vida e na incidência de “doenças da idade”. Não só não será fácil recrutar pessoas para voluntariamente incorrerem num período de restrição calórica, tal como não é prático estudar em humanos (de forma randomizada e controlada) os efeitos da restrição calórica ou jejum na esperança de vida, porque simplesmente estes “vivem muito tempo”. Por forma a obter resultados em tempo útil torna-se essencial conduzir estudos em espécies com esperança de vida mais curta. Contudo, estudos observacionais e alguns estudos de intervenção em humanos (discutidos mais à frente) parecem confirmar os mesmos efeitos benéficos para a saúde e pelos mesmos mecanismos moleculares daqueles observados em animais.
De referir ainda que, no contexto experimental, restrição calórica é definida como “redução da ingestão de alimento sem subnutrição”. Ou seja, normalmente intervenções nutricionais que implicam uma redução de 10-40% das necessidades calóricas diárias em que apenas as calorias e não os nutrientes são restringidos (na maior parte dos estudos controlados este aspecto é assegurado com suplementação de vitaminas e minerais) (Kitada & Koya, 2013b; Robertson & Mitchell, 2013). Esta noção é importante! Défice calórico não implica défice de nutrientes e excesso calórico não implica que as necessidades de nutrientes estão colmatadas. Jejum intermitente não será mais do que um método alternativo de restrição calórica em que a ingestão de comida é restringida durante um determinado período de tempo (normalmente entre 16 a 24 horas) seguido de um período de ingestão sem restrição, e que tem sido apontado como produzindo efeitos benéficos na saúde similares a protocolos de restrição calórica mais constante (Martin, Mattson, & Maudsley, 2006; Robertson & Mitchell 2013).
Parte 1
Deveremos aceitar ser “doentes” só porque envelhecemos?
É recorrente ouvir-se dizer que a doença é algo que “vem com o pacote da idade”. De facto envelhecer é uma chatice! A percepção geral de um declínio progressivo de todas as nossas funcionalidades à medida que envelhecemos não é, infelizmente, uma ilusão. Existem várias teorias sobre o envelhecimento. Embora seja um tema certamente muito interessante, uma descrição detalhada das várias teorias do envelhecimento não é o objectivo deste artigo. Duma forma geral, são apontados como principais os seguintes mecanismos subjacentes ao processo de envelhecimento:
- A teoria da Metilação do DNA, redução do comprimento dos Telómeros e o “limite de Hayflick”. O “limite de Hayflick” (fenómeno descoberto por Leonard Hayflick) determina que as células humanas têm um número limite de replicação, depois do qual elas tornam-se senescentes. Os telómeros (i.e. uma espécie de “capacetes” protectores no final de cada cromossoma) tornam-se progressivamente mais curtos a cada divisão celular (Shay & Wright 2000). Ora, a metilação do DNA (um processo essencial e reparador que consiste na adição de grupos de metil ao DNA e que pode ser promovida pela abundância de doadores de metil provenientes da dieta por exemplo) é apontada como sendo protectora do comprimento dos telómeros e dessa forma adiar a morte celular e o envelhecimento. Por exemplo, em modelos animais, a hipometilação da enzima telomerase reverse trancriptase conduziu à preservação do comprimento dos telómeros dos leucócitos (Zhang et al. 2003; 2014). Neste exemplo, é plausível inferir que adiar a senescência dos leucócitos (através de metilação e consequente conservação do comprimento dos telómeros) pode contribuir para uma maior robustez do sistema imunitário e dessa forma influenciar positivamente a longevidade.
- A teoria do envelhecimento associada à Inflamação crónica. Esta teoria sugere que inflamação crónica não resolvida induz o organismo humano a não alocar recursos para o funcionamento de outras funções normais (pois estão permanentemente alocados para a inflamação que não se resolve) e dessa forma conduz a um envelhecimento precoce de vários orgãos e tecidos, e a instalação precoce de “doenças da idade”.
- A teoria do stress oxidativo e dos radicais livres. Esta teoria, originalmente proposta pelo Dr. Denham Harman em 1956, é baseada na premissa de que o processo de envelhecimento é mediado por danos causados por radicais livres. Teoricamente, reduzindo a acumulação de radicais livres (e.g. espécies reactivas de oxigénio) e ao mesmo tempo aumentando a capacidade antioxidante do organismo (aumentando glutationa e enzimas antioxidantes como superóxido dismutase e catalase), poder-se-á prevenir danos aos tecidos (desacelerando o processo de envelhecimento) e prevenir a ocorrência de “doenças da idade”, e consequentemente contribuir para aumentar a longevidade funcional (Harman, 1988; 2006).
Muito bem, envelhecer é inevitável! Já sabemos disso. Contudo, se pensarmos um pouco, todos os mecanismos apontados têm uma raíz ambiental, ou seja, podemos até certo ponto controlá-los através de decisões que tomamos todos os dias. Nomeadamente decisões sobre o que comemos e como nos mexemos. E isto são boas notícias! Está de facto nas nossas mãos desacelerar o processo de senescência e prevenir a instalação das chamadas “doenças da idade”. Note-se que se para nós (mundo ocidental) é estatisticamente “normal” envelhecer com diabetes, hipertensão, cancro, demência, sarcopenia, osteoporose, doenças cardiovasculares, resistência à insulina, obesidade e inflamação crónica (porque a população estudada tem um estilo de vida que conduz à doença), noutras populações contemporâneas (não ocidentalizadas) essas doenças são raras ou mesmo inexistentes. Neste âmbito, convido o leitor a consultar aquele que considero um dos melhores livros que conheço sobre nutrição e estilo de vida, e a sua relação com a incidência das chamadas doenças “ocidentais”, Food and Western Disease: Health and Nutrition from an Evolutionary Perspective de Staffan Lindeberg. De facto, se queremos apontar para o nosso máximo potencial de saúde e de vida, não devemos olhar apenas para o que é “normal” numa determinada população, porque essa pode ser uma população doente. Devemos sim procurar o que é “biologicamente normal” para um ser humano! Uma espécie que está desenhada (em termos evolutivos) para lidar com uma série de estímulos ambientais que incluem certos níveis de actividade física, nutrição, exposição solar e sono. E se por um lado envelhecer é normal, não parece ser “biologicamente normal” envelhecer com as doenças crónicas.
Neste contexto, é igualmente frequentemente citado o Okinawa Centenarian Study. A população de Okinawa apresenta o maior rácio de centenários (saudáveis) do planeta (50/100.000 vs 10-20/100.000 nos USA) e como tal do maior interesse para estudar os factores que potenciam essa longevidade. Um dos factores identificados (para além dum nível apreciável de actividade física e interação social) foi o facto das populações acima dos 70 anos ingerirem cerca de 11% de calorias abaixo (aproximadamente 1785kcal/dia o que constitui uma restrição calórica muito moderada) do que seria recomendado para manutenção do seu peso corporal (de acordo com a equação Harris-Benedict), contudo numa dieta rica em nutrientes (Wilcox et al., 2006).
* Os habitantes de Okinawa deverão ter o rácio mais elevado de centenários em todo o mundo com 50/100.000.
O que podemos fazer para viver mais tempo e melhor é a minha principal motivação intrínseca. Como referi, as nossas escolhas em relação ao tipo de exercício físico, alimentos que ingerimos e outros factores relacionados com o estilo de vida podem condicionar quanto tempo vivemos e (porventura mais importante) quão saudáveis e funcionais vivemos. Na segunda parte deste artigo, abordarei alguns mecanismos pelos quais as intervenções nutricionais como a restrição calórica ou o jejum intermitente podem conduzir a benefícios para a saúde. E na terceira parte, abordarei possíveis implicações e aplicações práticas da prática de restrição calórica ou jejum, bem como quais as populações que podem beneficiar mais dessas estratégias nutricionais e as que as devem evitar.
Fiquem por aí!
Nuno Correia
Bibliografia e Referências
Dröge W., 2009. Avoiding the First Cause of Death. New York, Bloomington. iUniverse, Inc.
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