Os músicos como atletas

Afirmo-o com a convicção de quem conhece bem estes dois universos: os músicos são atletas de alto rendimento, mas não se tratam como tal. A performance musical profissional e a performance desportiva de alto rendimento obrigam a níveis de compromisso e exigência física e mental muito semelhantes. O tempo, empenho e consistência necessários para alcançar uma performance de alto nível a tocar um instrumento ou no desempenho de um desporto específico têm muito mais em comum do que se poderia, à partida, pensar. Algumas diferenças residirão no facto de, duma forma geral, o recrutamento neuromuscular associado a tocar um instrumento ter um enfoque maior ao nível da motricidade fina (i.e. movimentos curtos de maior precisão e executados iminentemente com as extremidades) e menor ao nível da motricidade grossa (i.e. movimentos de maior amplitude envolvendo os grupos musculares de maior dimensão) que normalmente identificamos associados aos gestos desportivos. Contudo, convém esclarecer que tanto os grandes grupos musculares, como os músculos de menor dimensão associados à motricidade fina, têm uma função importante a nível postural, na execução instrumental e nos mais variados gestos desportivos.

Por exemplo, se estabelecermos um paralelismo entre tocar violino e a execução de um gesto desportivo como o serviço no ténis, verificamos que, embora a diferentes níveis de exigência, um equilíbrio do controlo motor fino e grosso é necessário para uma melhor performance em ambas as actividades. Quando tocamos violino, queremos manter uma postura alta e controlada por forma que o segurar do violino com o braço não dominante e o manejar do arco com o braço dominante, permita que o trabalho fino das mãos e dedos ocorra da forma mais eficiente possível. Ora, se a musculatura envolvida na estabilização do tronco e na elevação dos braços for fraca, a fadiga instala-se mais rapidamente resultando numa deterioração postural, numa execução em maior esforço e consequente numa pior performance. No caso do serviço do ténis, à elevada exigência de coordenação motora e força envolvendo todos os grandes grupos musculares do membro inferior e superior, junta-se a necessidade de coordenação fina ao nível dos movimentos do pulso, mão e dedos, por forma a imprimir na bola o efeito e a direcção que se pretende.

De facto, tanto a performance musical como a desportiva envolvem recrutamento neuromuscular para produzir movimento e trabalho que requer precisão, velocidade, endurance e força. Além disso, e sobretudo a um nível profissional, tocar um instrumento e praticar um desporto são actividades que obrigam a longas horas de prática de gestos repetitivos que, aliado a um mau condicionamento físico, poderá conduzir a uma variedade de problemas médicos. É impensável que um atleta de alta competição não siga um programa de treino das qualidades físicas complementar à prática do seu desporto. É fácil de entender que é uma boa condição física de base que irá garantir maior resiliência e longevidade na prática desportiva. O mesmo se aplica à performance musical. Os músicos são atletas de alta competição e deverão preparar-se como tal! Viver e tocar com dor não é uma inevitabilidade, é uma opção.

 

A prevalência de dor e lesões nos músicos

À medida que os anos passam e as horas agarrados ao instrumento se acumulam, é quase inevitável que os músicos profissionais desenvolvam em determinado momento da sua carreira problemas musculoesqueléticos e/ou neuromusculares de gravidade variável. Isto se não fizerem nada no que concerne à sua preparação física. Estudos de revisão sobre a prevalência de lesões em músicos profissionais apontam para que 76% dos músicos sofrem ou sofreram de problemas físicos que os impedem de actuar ao seu nível habitual e 84% tiveram lesões que interferiram negativamente com a sua prática musical1. Alguns músicos ficar-se-ão por tendinopatias e lombalgias de intensidade variável que conseguirão gerir à custa da toma crónica de medicamentos anti-inflamatórios ou simplesmente tocando menos frequentemente e suportando dor e desconforto. Outros, desenvolverão síndromas lesionais por sobreuso mais graves que se tornarão crónicos e comprometerão não só a qualidade da performance, mas também a qualidade de vida, obrigando a períodos de inactividade musical. Outros ainda, sofrerão de formas de lesão ainda mais graves que poderão resultar no abandono da carreira como músico instrumentista.

De uma forma geral, lesões mais frequentes em instrumentistas afectam e manifestam-se através de dor e/ou disfunção sobretudo das articulações, tendões, ligamentos e nervos do membro superior, cabeça, pescoço e coluna. Por exemplo, em instrumentistas de orquestra as lesões de origem músculo-esquelética e/ou neuromuscular são mais comuns afectando cerca de 64% dos músicos, dos quais 20% são problemas do foro nervoso periférico e cerca de 8% são casos de distonia focal2 . O que faz sentido, tendo em conta que essas são as zonas do corpo mais stressadas durante a prática instrumental. Excepção feita à distonia focal, que apesar de poder estar acompanhada de dor e lesão músculo-esquelética, a origem da disfunção observada a nível periférico é, na verdade, central, ou seja, os circuitos neuronais disfuncionais estão comprometidos logo nos níveis superiores do sistema nevoso central como o córtex cerebral. Assim, as lesões mais frequentes em músicos instrumentistas podem ser resumidas da seguinte forma3:

  • Lesões músculo-esqueléticas – epicondilite, tendinopatias (tendinose, tendinite, tenossinovite), bursite, artrite, artrose, osteoartrite, contracturas, lesões na articulação temporomandibular;
  • Bloqueio e inflamação nervosa – síndroma do túnel cárpico, síndroma do desfiladeiro torácico, síndroma do túnel radial, síndroma de compressão do nervo ulnar, síndroma do túnel ulnar, radiculopatias cervicais e lombares;
  • Hipermobilidade;
  • Distonia focal;
  • Perda de audição.

O surgimento de lesões nos músicos deve-se a um conjunto de factores que, naturalmente, interagem. Vários autores identificaram os seguintes factores como facilitadores e/ou provocadores do surgimento de lesões nos músicos1:

  • Factores fisiológicos e biológicos como género e idade. As mulheres instrumentistas parecem ter maior propensão para desenvolver lesões músculo-esqueléticas e nervosas periféricas em relação aos homens, e indivíduos que iniciem precocemente a prática instrumental com elevado volume, aos 4-5 anos de idade, também têm maior probabilidade de desenvolver lesões mais tarde na sua carreira4,5. No caso da distonia focal há uma prevalência clara no sexo masculino (acima de 90%) e em mulheres com distúrbios menstruais, o que sugere que factores hormonais podem ser predisponentes para o desenvolvimento desta patologia6.

 

  • O tipo de instrumento. As características do instrumento (tamanho, forma e peso) e o tempo de prática implicam níveis diferentes de exigência física, em que a fadiga instalada e a execução em esforço podem levar ao desenvolvimento de lesões7. Por exemplo, a posição inerente a tocar clarinete implica que todo o peso do instrumento esteja suportado sobre o polegar direito, e ao mesmo tempo requer uma grande quantidade de movimentos curtos e rápidos dos dedos de ambas as mãos8. Outro exemplo que me diz especial respeito, é o contrabaixo de cordas. Um instrumento volumoso com uma coluna de ar de inércia considerável, que requer não só considerável força de preensão da mão que pisa as cordas, como um esforço físico (que na verdade se quer minimizar em favor de uma técnica de execução o mais eficiente possível) para fazer movimentar essa coluna de ar e fazer o instrumento vibrar e produzir som. Quem já experimentou tocar contrabaixo alguns minutos percebe bem a dimensão física que o instrumento poderá ter.

 

  • Técnica instrumental. Uma técnica de instrumento débil, com posições não optimizadas, mais baseada em esforço físico do que numa técnica eficiente, associada a longas horas de prática sem descanso, vai naturalmente predispor o instrumentista à dor e à lesão sobretudo nos pulsos, mãos, pescoço e ombro9.

 

  • A exigência performativa. A exigência técnica de uma determinada peça musical que muitas vezes requer uma execução a elevada velocidade, elevada intensidade, com fatigante repetição de movimentos ou manutenção de posições extremas das mãos durante um largo período de tempo. Tudo isto é gerador de stress mecânico e poderá ser causador de lesão 10,11.

 

  • Assimetria corporal. Da mesma forma que um atleta de modalidades com enfoque unilateral irá tentar compensar essas assimetrias trabalhando os dois lados do corpo, um músico encontra-se numa situação semelhante, pois tocar um instrumento implica um trabalho assimétrico em posições muito pouco naturais por longos períodos de tempo, favorecendo a instalação de vários desequilíbrios musculares12.

 

  • Má condição física. Bons níveis de força e uma boa condição geral é essencial para manter uma boa posição ao tocar um instrumento durante longos períodos de tempo. Posições essas, na sua maioria, muito pouco naturais. A melhoria da condição física irá permitir resistir ao instalar da fadiga, recuperar mais rapidamente entre ensaios ou sessões de estudo, e na verdade, irá permitir tolerar mais horas de prática sem deterioração da técnica musical e performance7. Desequilíbrios e fraqueza musculares resultante das longas horas sentado, da manutenção de certas posições e da repetição exaustiva de movimentos curtos devem ser tratados através de programas de treino que incluam exercícios que fortaleçam o corpo de forma global e que, ao mesmo tempo, visem compensar desequilíbrios musculares específicos induzidos pela prática instrumental13.

 

  • Outros factores de estilo de vida. Sabemos que aspectos do estilo de vida como fumar ou exposição ao fumo, consumo de álcool, privação de sono, má nutrição, má hidratação e obesidade têm efeitos muito nefastos a nível sistémico no nosso corpo. No que concerne ao desenvolvimento de lesões do foro neuromuscular, sabemos que todas estas formas de toxicidade fragilizam todo o tecido conjuntivo (cartilagem, tendões, ligamentos, membranas), os músculos e a condução nervosa, predispondo à ocorrência de processos inflamatórios localizados e ao desenvolvimento de lesões crónicas. Sabia que, por exemplo, a obesidade predispõe grandemente para o desenvolvimento da síndrome do túnel cárpico?14 Ou que fumar está fortemente associado ao desenvolvimento de lesões e disfunções no ombro?15

 

Prevenir e resolver lesões nos músicos

Qualquer atleta de elite sabe empiricamente algo que há muito tempo é corroborado pela ciência. Que a forma mais eficaz de prevenir (e também curar) lesões de sobreuso ou sobrecarga devido à prática desportiva com elevado volume é garantir uma boa condição física de base aliada a bons hábitos de recuperação, descanso e nutrição. No que concerne à sua condição física, não passa pela cabeça de um atleta de elite, não seguir um programa regular de desenvolvimento das qualidades físicas. Ele sabe que isso terá consequências negativas quer no seu rendimento desportivo, quer na sua susceptibilidade para desenvolver lesões. Ele sente na pele que quanto mais fraco o seu sistema músculo-esquelético se encontrar, mais susceptível estará de se lesionar devido ao elevado volume a que a sua prática desportiva de alta performance obriga. A pergunta que se impõe é, e se considerarmos que a actividade em que os músicos profissionais incorrem constitui uma actividade de alta performance física e mental que obriga a largas horas de prática diária, não deverão os músicos tratar-se como atletas de alto rendimento? Eu tenho a certeza que sim.

De facto, numa revisão sistemática de 2019 sobre treino físico para músicos profissionais de orquestra1, os autores indicam que seguir um programa de treino físico estruturado de durações variadas (desde algumas semanas a vários meses), resultou, de uma forma geral, em melhorias significativas na performance e na redução (e mesmo eliminação) de dores crónicas.

Para manter-se a tocar ao mais alto nível e por muito tempo, os músicos beneficiariam muito se se tratassem como atletas de alto rendimento. Garantir que se mantêm em boa forma física conjugado com bons hábitos de recuperação, descanso e nutrição. E atenção, quando falo em manter-se em boa forma física não me refiro a praticar desporto. Aliás, praticar desporto como forma de melhorar a condição física não é ideal e até pode ser prejudicial. Pois estar-se-á a adicionar mais uma actividade com características assimétricas a outra também ela assimétrica que é tocar um instrumento musical. Em geral, todos os desportos são por definição constituídos por movimentos especializados, e por isso mesmo, assimétricos. Por isso, a não ser por razões meramente lúdicas (que também pode ser positivo a um nível mental), a prática de um desporto como estratégia para melhorar a condição física não é ideal e não deve ser a forma escolhida em especial pelos músicos (abordo esta questão neste artigo: Porque é que os músicos não devem fazer desporto?).

A condição física geral de base melhora-se através do treino das qualidades físicas. Isto pressupõe uma avaliação da situação inicial para aferir as limitações específicas e delinear uma estratégia de intervenção. Há que começar sempre pela base e progredir a partir daí, tal como o processo de aprender a tocar um instrumento musical. Aqui, a atenção ao detalhe é fundamental. Uma estratégia bem delineada implica uma gestão das variáveis do treino específica para a condição e objectivos do atleta ou, neste caso, do músico. É crucial uma correcta selecção de exercícios, e monitorização de perto da sua implementação quanto à forma de execução, carga utilizada e progressão ao longo do tempo. Como referi, não é muito diferente do processo de aprender a tocar um instrumento musical!

Para um músico, tocar o instrumento é a prioridade das prioridades. Pode ser obsessivo, eu sei. Mas tocar melhor e no longo prazo não passa necessariamente por tocar mais horas, mas por investir em cuidar da ‘’máquina’’ que é o nosso corpo. Volto a reforçar que tocar com dor ou desconforto é uma opção e não uma inevitabilidade. Cuidem do vosso corpo e tratem-no bem, pois irão precisar dele no longo prazo!

Bons ensaios e bons treinos!

Nuno Correia

Referências: 

  1. Gallego, C., Ros, C., Ruíz, L., Martín, J. (2019). The physical training for musicians. Systematic review. Sportis Sci J, 5 (3), 532-561.
  2. Lederman, R. J. (2003). Neuromuscular and musculoskeletal problems in instrumental musicians. Muscle & Nerve, 27(5), 549–561.
  3. Betancor Almeida, I. (2011). Hábitos de actividad física en músicos de orquestas sinfónicas profesionales: un análisis empírico de ámbito internaciona Tesis Doctoral. Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, Las Palmas de Gran Canaria.
  4. Fishbein, M., Middlestadt, S., Ottati, V., Straus, S., y Ellis, A. (1988). Medical problems among ICSOM musicians: Overview of a national survey. Medical Problems of Performing Artists, 3(1), 1–8.
  5. Viaño, J. J. (2004). Estudio de la relación entre la apariciación de lesiones musculoesqueléticas en músicos instrumentistas y hábitos de actividad física y vida diaria. En III Congreso De La Asociación Española de Ciencias Del Deporte. Valencia: Universidad de A Coruña.
  6. Rosset-Llobet, J., Candia, V., Fàbregas, S., Ray, W., & Pascual-Leone, A. (2007). Secondary motor disturbances in 101 patients with musician’s dystonia. Journal of neurology, neurosurgery, and psychiatry, 78(9), 949–953.
  7. Sardá, E. (2003). En forma: ejercicios para músicos. Barcelona: Paidos.
  8. Thrasher, M., y Chesky, K. (1998). Medical problems of clarinetists: Results from the U.N.T. musician health survey. The Clarinet, 25(4), 24–27.
  9. Wynn, C. B. (2004). Managing the physical demands of musical performance. En Williamon A. (Ed.), Musical excellence: Strategies and techniques to enhance performance (pp. 41–60). Londres: Oxford University Press.
  10. Bejjani, F. J., Kaye, G. M., y Benham, M. (1996). Musculoskeletal and neuromuscular conditions of instrumental musicians. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 77(4), 406–413.
  11. Mark, T., Gary, R., y Miles, T. (2003). What every pianist needs to know about the body: a manual for players of keyboard instruments: piano, organ, digital keyboard, harpsichord, clavichord. GIA Publications. Martín.
  12. Ackermann, B., Adams, R., y Marshall, E. (2002). Strength of endurance training for undergraduate music majors at a university? Medical Problems of Performing Artists, 17(1), 33– 41.
  13. Frabretti, C., y Gomide, M. F. (2010). A saúde dos músicos: dor na prática profissional de músicos de orquestra no ABCD paulista. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 35(121), 33– 40.
  14. Shiri R, Pourmemari MH, Falah-Hassani K, Viikari-Juntura E. The effect of excess body mass on the risk of carpal tunnel syndrome: a meta-analysis of 58 studies. Obes Rev. 2015;16(12):1094-1104.
  15. Bishop, Julie Y. et al. (2015). Smoking Predisposes to Rotator Cuff Pathology and Shoulder Dysfunction: A Systematic Review. Arthroscopy, Volume 31, Issue 8, 1598 – 1605.

 

Existe atualmente evidência científica suficiente para afirmarmos que o treino de força é um método eficaz ao nível da prevenção, tratamento e, potencialmente, da reversão de várias doenças crónicas. Efectivamente, a adesão a um programa de treino de força devidamente desenhado pode aumentar de forma significativa a saúde física e mental da população.

A importância é tal que são várias as organizações de renome mundial (Organização Mundial de Saúde, Centers for Disease Control and Prevention, American Heart Association, American Association for Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation, American College of Sports Medicine) que recomendam esta forma de treino para manter a saúde.

No entanto, apesar desta evidência, a maior parte da referenciação para o exercício é ainda o treino aeróbio e são poucos os médicos (e profissionais de saúde em geral) que fazem a referenciação para o treino de força. Este artigo tem como objectivo alertar para a relevância e para o impacto valioso do treino de força na saúde.

Cerca de 100% da nossa existência biológica tem sido dominada pela actividade outdoor. Caçar e procurar comida tem sido uma condição da vida humana durante milhões de anos1. Ou seja, se no passado era preciso fazer esforço (i.e. actividade física) para encontrar comida hoje em dia a comida vem ter connosco sem ter que fazermos esforço nenhum. Portanto, passamos de um estilo de vida bastante activo para um estilo de vida altamente sedentário. Com consequências graves ao nível da saúde pública. Se antigamente todas as pessoas tinham que exercer algum esforço físico para fazer a sua vida normal hoje em dia a maior parte não tem essas necessidades. O ambiente mudou e as pessoas também mudaram. Estão mais fracas, mais doentes, têm mais dores crónicas e estão cada vez mais dependentes de medicamentos. Mas a mensagem que ainda se passa na nossa sociedade (e em consultas médicas) é “não faça esforços e faça a sua vida normal”. E eu acredito que este é o pior conselho que se pode dar às pessoas! A vida normal? Mas que conselho é este? Como é que o normal pode ser bom? É preciso estar completamente alienado da realidade para poder fazer recomendações deste género.

Hoje em dia temos mais oportunidades do que nunca para construir um fenótipo saudável e forte. O fenótipo é a expressão do nosso organismo e este, depende em grande parte, das escolhas que fazemos todos os dias. Dois organismos podem ter o mesmo genótipo, o mesmo DNA, mas diferentes fenótipos – baseado nas suas experiências e no ambiente. É certo que há coisas que não conseguimos controlar como a nossa herança genética, o local do Mundo onde nascemos / vivemos, a sorte e o ambiente. Mas há muitas coisas que conseguimos controlar e que depende exclusivamente das nossas prioridades na vida e das nossas escolhas diárias (exemplos: hábitos de exercício, alimentação, sono, gestão do stress, tabagismo, álcool, exposição a ambientes poluídos). E eu acredito que o exercício físico em geral (e o treino de força em particular) é o factor mais importante de todos. É o mais potente, é quantificável e actua rapidamente em todos os sistemas e orgãos do corpo humano.

A realidade é esta: a população está envelhecida e com mais doenças crónicas / não transmissíveis. As principais doenças não transmissíveis são as doenças cardiovasculares, cancros, doenças respiratórias crónicas e diabetes. Só estes quatro grupos de doenças contam mais de 80% para as 41 milhões de mortes no Mundo2! De acordo com o primeiro relatório sobre envelhecimento saudável da Organização Mundial de Saúde (OMS) espera-se que o número de pessoas com mais de 60 anos duplique em 20503 e é neste contexto que precisamos de intervir com urgência no sentido de promover a autonomia motora e melhorar a capacidade funcional das pessoas. As tradicionais recomendações das caminhadas, da natação, do Pilates e de “fazer esforços de baixa intensidade” ou “não fazer esforços” provavelmente precisam de ser reconsideradas e devidamente contextualizadas.

É neste âmbito que o treino de força e o treino das qualidades físicas assumem um papel lapidar. Todas as pessoas (atletas e não atletas) precisam de treinar as suas qualidades físicas para viver com qualidade e de forma independente. Depois dos 30 anos de idade, os adultos perdem 3-8% da sua massa muscular por cada década. Ao longo do tempo, a perda de massa magra contribui para uma diminuição da força muscular e da potência, importantes preditores de equilíbrio, da ocorrência de quedas e de mortalidade4. No caso dos idosos é importante assinalar que as quedas são a principal causa de morte acidental após os 65 anos e são as fracturas das ancas aquelas que afectam em maior extensão a independência dos mesmos5.

Quando falo em força refiro-me à base para interagirmos com o ambiente à nossa volta, à fundação para o desenvolvimento das outras qualidades físicas (mobilidade, potência, velocidade, agilidade, endurance muscular), à capacidade de produzir força contra uma resistência externa (pode ser o chão ou outro objecto qualquer) através das contracções musculares. Esta é, provavelmente, a capacidade mais treinável que dispomos e aquela que poderá ter maiores repercussões na melhoria da nossa função, na nossa independência e na nossa longevidade funcional. Tarefas como caminhar rapidamente, sentar e levantar de uma cadeira, subir escadas, manter o equilíbrio, carregar malas ou brincar com os filhos / netos, são exemplos de actividades da nossa vida diária que requerem uma componente mínima das várias manifestações de força (força máxima, força rápida e força de resistência). Portanto, tanto a força como o músculo (mais a sua qualidade que quantidade), são parâmetros da função física que precisam de ser cuidados na construção do fenótipo do envelhecimento saudável.

Estas questões assumem maior importância ainda quando constatamos que a partir do passado dia 1 de Outubro de 2016, na décima revisão da classificação internacional de doenças (ICD-10), a sarcopenia foi classificada como uma doença pela OMS sendo detentora de um código próprio (M62.84). Isto deverá levar a um aumento na disponibilidade de ferramentas de diagnóstico e a um maior entusiasmo da indústria farmacêutica para desenvolver medicamentos para combater a sarcopenia6. Mas na minha opinião isto também representa uma grande oportunidade para os profissionais do exercício poderem ajudar no combate desta doença, já que será o treino de força (devidamente orientado como é óbvio) o estímulo mais potente na sua prevenção e tratamento.

Pedro Correia

Referências:

  1. Booth FW, Roberts CK, Laye MJ. Lack of exercise is a major cause of chronic diseases. Comprehensive Physiology. 2012;2(2):1143-1211. doi:10.1002/cphy.c110025.
  2. GBD 2015 Risk Factors Collaborators. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or clusters of risks, 1990–2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet, 2016; 388(10053):1659-1724.
  3. Beard JR, Officer A, de Carvalho IA, et al. The world report on ageing and health: A policy framework for healthy ageing. Lancet 2016;387:2145e2154.
  4. English KL, Paddon-Jones D. Protecting muscle mass and function in older adults during bed rest. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care. 2010;13(1):34-39. doi:10.1097/MCO.0b013e328333aa66.
  5. National Center for Injury Prevention and Control of the Centers for Disease Control and Prevention. Preventing Falls: A Guide to Implementing Effective Community-Based Fall Prevention Programs 2nd edition. Atlanta: 2015.
  6. Anker SD, Morley JE, von Haehling S. Welcome to the ICD-10 code for sarcopenia. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2016 Dec;7(5):512-514. Epub 2016 Oct 17. PubMed PMID: 27891296; PubMed Central PMCID: PMC5114626.

 

A posição da mão no chão é um aspeto pouco considerado mas de grande importância para a qualidade do movimento. Nos últimos anos tem-se acentuado a prática de exercícios que exigem uma função de suporte por parte da mão (Exemplo: Handstand, Push-Up, Turkish Get-Up e muitas variantes de Crawling).

Em termos biomecânicos a mão desempenha um papel semelhante ao pé quando desafiada a suportar carga. Assim como o pé, o joelho e a anca interagem reciprocamente, as mãos interagem com a mesma reciprocidade em relação aos cotovelos e ombros. Dessa forma é necessário encontrar um equilíbrio de distribuição da carga de forma a otimizar a biomecânica da articulação com a necessidade do cérebro expressar uma exploração sensorial através de diferentes orientações da mão.

Numa perspetiva de desenvolvimento humano a aquisição de padrões motores grosseiros e rudimentares, como “sentir o chão”, precedem padrões mais refinados de controlo de objetos e realização de habilidades de alimentação, escrita ou gestos desportivos específicos. Se olharmos para o homúnculo humano rapidamente percebemos o papel que as mãos desempenham em nos conectar com o mundo e a importância da interação mão-chão.

Uma boa distribuição da carga ocorre quando existe uma dispersão de forças equilibrada entre toda a superfície palmar, sobretudo entre a região tenar e hipotenar. No entanto, a maioria das pessoas tem dificuldades em adotar uma posição de suporte correta principalmente se tiver de ser adotada de forma reflexa. A distribuição insuficiente ocorre quando as forças incidem maioritariamente sobre a região ulnar em detrimento da região tenar, causando uma sobrecarga desequilibrada sobre o punho. Um padrão de suporte insuficiente está correlacionado com os desequilibrios musculares cruzados na parte superior do corpo designados por Síndrome Cruzado Superior (Upper Crossed Syndrome). Descrito pelo Dr. Vladimir Janda como rigidez do trapézio superior, grande peitoral e elevador da omoplata e inibição dos romboides, grande dentado, trapézio médio e inferior e flexores profundos do pescoço, especialmente os músculos escalenos. O estereótipo das alterações posturais manifestam-se pela elevação e protração dos ombros, elevação das omoplatas, protração da cabeça e pela consequente instabilidade de toda a cintura escapular.

Um estudo realizado pela Dra. Alena Kobesova (2015) associou o efeito de exercícios de estabilização escapular, no qual um dos requisitos era a adoção de uma correta posição de suporte, com ganhos significativos na força de preensão.

Por sua vez, a força de preensão exerce um papel importante no bom funcionamento do membro superior, evidenciando que níveis mais elevados estão correlacionados com uma estabilização do ombro mais eficiente através de conexões neurológicas, aumento da transferência de força e diminuição da incidência de lesões.

Assim, adotar uma posição de suporte mais vantajosa contribui para um reportório motor mais rico no seu global.

Utilizamos a expressão “os pés bem assentes no chão” associada muitas vezes a uma tomada de decisão segura… Parece que ter “as mãos bem assentes no chão” também é positivo!

Patrick Filipe

Referências:

Kobesova. A, Dzvonik. J, Kolar. P, Sardina. A, Andel. R. (2015). Effects of shoulder girdle dynamic stabilization exercise on hand muscle strength. Isokinetics and Exercise Science 23 (2015) 21–32

Kolar. P, et. al. (2014). Clinical Rehabilitation. First Edition.

National Conference & Exhibition Bridging The Gap 2016. Grip Strength: Unleash the secret to primal strength, injury prevention, and overall health. Dr. Arianne Missimer.

Sacrey. LA, Whishaw. I. (2010). Development of collection precedes targeted reaching: resting shapes of the hands and digits in 1-6-month-old human infants. Behavioural Brain Research 214(1):125-9.

 

 

O pé e o tornozelo constituem a base de sustentação do corpo humano proporcionando a estabilidade necessária para assumir uma postura bípede. O comprometimento da mobilidade do tornozelo causada por adaptações posturais às atividades diárias e uso de calçado inadequado (particularmente saltos altos) poderá ter implicações na execução de gestos característicos à maioria das modalidades desportivas, assim como em muitos exercícios presentes em programas de treino de força.

Como é que restrições na dorsiflexão do tornozelo podem causar limitações funcionais comprometendo o rendimento desportivo e constituir um fator de risco de lesão?

– Uma dorsiflexão limitada pode causar alterações na cinemática no plano sagital (diminuição da flexão e excursão) e frontal (aumento do valgo dinâmico) da articulação do joelho durante a realização de exercícios como o Agachamento. A restrição no plano sagital resulta também em alterações nos padrões de ativação muscular do solear (aumento) e quadríceps (diminuição) durante a fase excêntrica do Agachamento (Macrum et al., 2012). Estas condicionantes podem tornar um indivíduo mais suscetível ao uso excessivo ou de lesões agudas do joelho, como a síndrome patelo-femoral.

– A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) ocorre normalmente durante a participação em atividades desportivas através de um mecanismo sem contacto envolvendo uma mudança súbita de direção, paragem repentina, receção ao solo após um salto (ou combinação de ambas). Restrição na dorsiflexão durante a receção ao solo está associada a uma menor flexão do joelho, maiores forças de reação do solo e consequentemente a um aumento do valgo dinâmico (Fong et al., 2011). Estes fatores biomecânicos estão inter-relacionados, resultando num risco acrescido de lesão do LCA.

– O Single Leg Squat Test (SLST) é comumente utilizado para avaliar o valgo dinâmico e consequentemente o potencial risco de lesão ao nível do membro inferior, assim como o retorno à atividade desportiva irrestrita após a reconstrução do LCA. Está correlacionado com tarefas como receção ao solo após um salto, corrida e mudanças de direção. Num estudo (Mauntel et al., 2013) onde se correlaciona o desvio medial do joelho durante o SLST com a ativação muscular e amplitude de movimento articular passiva do membro inferior, a restrição na dorsiflexão foi um dos aspetos relacionados com o desvio medial do joelho.

Dessa forma os programas de treino de força e condição física, reabilitação e prevenção de lesões devem ter em conta possíveis restrições na dorsiflexão do tornozelo com vista à diminuição da incidência de lesões no membro inferior.

Patrick Filipe

Referências:

Macrum, E. Bell, D. Boling, M. Lewek, M. Padua, D. 2012. Effect of Limiting Ankle-Dorsiflexion Range of Motion on Lower Extremity Kinematics and Muscle-Activation Patterns During a Squat. Journal of Sport Rehabilitation, 21, 144-150.

Fong CM, Blackburn JT, Norcross MF, McGrath M, Padua DA. 2011. Ankle-dorsiflexion range of motion and landing biomechanics. Journal of Athletic Training. 46(1):5–10.

Mauntel TC, Begalle RL, Cram TR, Frank BS, Hirth CJ, Blackburn T, Padua DA. 2013. The effects of lower extremity muscle activation and passive range of motion on single leg squat performance. Journal of Strength and Conditioning Research 27(7)/1813–1823.

 

A Força de Preensão está correlacionada com a força dos membros superiores, força geral do corpo e capacidade funcional, assim como, estado nutricional, densidade mineral óssea, fatores de risco cardiovascular e mortalidade.

Como é que a Força de Preensão pode ter um papel importante na prevenção de lesões, reabilitação e desempenho desportivo?

– Padrões de co-ativação: Existe uma conexão neurológica entre a preensão manual e a coifa dos rotadores. Isso significa que o feedback propriocetivo dos nervos periféricos tem um impacto direto sobre a excitabilidade dos músculos da coifa dos rotadores, melhorando a centragem da cabeça do úmero e auxiliando na estabilização do ombro durante o uso do braço e mão.

– Irradiação: Quando um músculo contrai de forma intensa emite impulsos neurais que atingem os músculos adjacentes, fazendo com que estes participem na ação, aumentando a estabilidade postural e permitindo uma transferência de força mais eficiente.

– Dor no Cotovelo: Das inúmeras razões que podem levar a sintomas de dor ao nível do cotovelo, uma das causas pode ser a relação de forças inadequadas entre os músculos do cotovelo e músculos do antebraço. Se os flexores do cotovelo forem muito fortes em relação aos flexores do antebraço, a tensão irregular acumula-se nos tecidos moles provocando dor.

– Avaliação e Controlo da Performance: Sendo a força de preensão um excelente preditor da força total do corpo, este pode ser utilizado como elemento de avaliação e controlo da performance desportiva. Valores de força de preensão abaixo dos valores de referência (individuais) ou dos aferidos no início da sessão de treino anterior, pode ser um indicador de fadiga.

Quantas mais razões são necessárias para ter um bom “aperto de mão”?

Patrick Filipe

Referências:

National Conference & Exhibition Bridging The Gap 2016. Grip Strength: Unleash the secret to primal strength, injury prevention, and overall health. Dr. Arianne Missimer.

 

A prevalência auto-relatada de dor no ombro está estimada entre 16-26% e esta é a terceira causa mais comum de desordem músculo-esquelética em consulta (ver referência abaixo). Factores físicos como os seus hábitos de exercício e a realização de movimentos repetitivos (de baixa e alta intensidade) em posições inadequadas pode resultar em lesão ou em dores crónicas.

Por este motivo, na The Strength Clinic, consideramos que existem quatro pilares fundamentais no funcionamento do ombro:

1) Respiração – Respirar adequadamente é muito importante para maximizar a performance. Uma pessoa normal respira em média mais de oito milhões de vezes por ano e o mais provável é que ela não o faça da forma mais eficiente. A maior parte das pessoas utiliza apenas uma pequena percentagem da capacidade do corpo para extrair oxigénio do ar para os pulmões porque tem tendência em respirar somente com a parte superior do corpo (respiração apical), em vez de realizarem uma respiração mais profunda a partir do músculo respiratório mais eficiente que nós temos, o diafragma.

2) Postura – Apesar de sobrevalorizada na maior parte das vezes, a postura de cada indivíduo pode ter influência no aparecimento de lesões e na prevalência de dor crónica. Principalmente quando falamos de actividades com alto impacto / cargas elevadas (nas quais a biomecânica assume uma importância fundamental) e dos hábitos diários de movimento que cada pessoa tem. Uma postura deficiente é normalmente o resultado de vários desequilíbrios estruturais, musculares e articulares, no entanto, é preciso referir que o nosso corpo tem uma capacidade de adaptação enorme e que a falta de movimento de qualidade é, provavelmente, o problema principal. Ao contrário do que possa pensar não há posturas perfeitas!

3) Grip – Há um fenómeno chamado irradiação, portanto quanto maior a força de preensão, maior a activação dos nervos e músculos ao longo da cadeia cinética. Como consequência haverá um aumento da eficiência neurológica e teremos os músculos da coifa dos rotadores (supraespinhoso, infraespinhoso, pequeno redondo, subescapular) a disparar da forma que devem e não da forma convencional. As mãos estão intimamente ligadas com o funcionamento do sistema fisiológico e neurológico mas, infelizmente, este é um fenómeno muito ignorado nos programas de treino de hoje em dia.

4) Posição das articulações – O treino de coifa dos rotadores apenas não vai assegurar a saúde funcional do seu ombro. A estabilidade das omoplatas, que depende da mobilidade da coluna torácica, é fundamental para assegurar que a cavidade glenóide está bem posicionada para as forças aplicadas. A estabilidade das ancas e do tronco é também necessária para servir de fundação para a posição e funcionamento das omoplatas. Ou seja, se o controle do eixo central for fraco é muito provável que as suas omoplatas sejam arrastadas para posições desfavoráveis e isso vai prejudicar a transmissão de força.

Portanto, qualquer estratégia que tenha como finalidade melhorar a funcionalidade do ombro deverá considerar estes quatro pilares porque um ombro aparentemente forte não é necessariamente um ombro estável e é a estabilidade que deve preceder a produção de força.

Pedro Correia

Referências:

Mitchell C, Adebajo A, Hay E, Carr A. Shoulder pain: diagnosis and management in primary care. BMJ: British Medical Journal. 2005;331(7525):1124-1128.

 

No seguimento da temática abordada no último artigo, vamos falar hoje de uma característica bastante comum a todos os jogadores de golfe e que pode estar a comprometer a eficiência do seu swing e a sua performance no campo de golfe: Extensão Antecipada.

O que é a Extensão Antecipada?

A extensão antecipada pode ser entendida como uma parte integrante da perda de postura, mais concretamente quando as ancas e a coluna de um jogador começam a entrar em extensão demasiado cedo no downswing, ou seja, quando as ancas e a pélvis movem-se em direção à bola no downswing. Em termos práticos, se o seu corpo não está devidamente preparado para executar um swing de golfe eficiente, mantendo uma boa postura ao longo de todo o movimento, você vai acabar por levantar a parte superior do corpo (coluna) e falhar na rotação necessária das ancas no momento do impacto. As ancas têm um papel fundamental na prevenção de lesões e na melhoria da performance, se você tem pouca mobilidade nas ancas, mais tarde ou mais cedo, a zona lombar vai queixar-se (e pode ter a certeza que essa situação não será muito agradável).

Segundo os estudos efectuados pelo Titleist Performance Institute, 64,3% dos golfistas amadores fazem extensão antecipada.

Os jogadores que fazem extensão antecipada normalmente referem que se sentem presos durante o downswing como se tivessem que encolher os braços para bater a bola. E é normal que assim seja, repare no seguinte: quando você estende as ancas demasiado cedo no downswing, o espaço que supostamente deveria ser dos seus braços e mãos, foi ocupado pela parte inferior do corpo. Portanto, o resultado final será um bloqueio do movimento, já que os seus braços e mãos não têm como sair do caminho e não vão, certamente, deixar de querer bater a bola.

Como posso diagnosticar?

Uma forma fácil e simples de verificar se você faz extensão antecipada é através do seu Smart Phone (provavelmente você até já tem aplicações que lhe permitem desenhar linhas e analisar o seu swing). Só precisa de pedir a um amigo seu que o filme na direcção da linha de swing e que capte o seu movimento completo desde a posição inicial (setup). Depois de ter o seu swing gravado, compare a posição da sua pélvis na posição inicial com a posição da pélvis na posição de impacto, se notar que a mesma moveu-se na direcção da bola é porque fez extensão antecipada. Se isto não for possível, pode sempre pedir ajuda ao seu professor de golfe, eu tenho a certeza que ele terá todo o prazer em ajudá-lo (diga-se de passagem que é sempre melhorar recorrer a um serviço profissional e que uma câmara de alta definição tem as suas vantagens).

Quais as limitações físicas?

“If you’re not assessing, you’re just guessing” – Greg Rose

As limitações físicas podem ser várias e para determinar ao certo as causas que lhe estão a afectar, seria importante fazer uma avaliação funcional com um profissional que compreenda como deve mover-se o seu corpo e a sua relação com o swing de golfe. De acordo com aquilo que tenho observado na minha prática, gostaria de destacar as seguintes:

  • Limitação na realização de um agachamento completo com os braços em extensão acima da cabeça;
  • Limitação de mobilidade nas ancas (principalmente na rotação interna da anca mais próxima do alvo e no movimento de anteversão e retroversão);
  • Limitação na capacidade de separar / desassociar as ancas do tórax (X factor);
  • Limitação na capacidade de estabilizar a pélvis por via de uma inibição dos glúteos e dos músculos que constituem o core e abdominais.

O que posso fazer para melhorar?

Apesar das causas poderem variar de pessoa para pessoa, eu tenho quase a certeza que se fizer os seguintes exercícios, você vai melhorar e vai aumentar a funcionalidade do seu corpo para jogar golfe durante mais tempo. Só precisa de 10 minutos por dia.

1. Massagem Miofascial com Roller Stick

1

Utilizando um roller stick, procure pelos trigger points do gémeo e faça uma massagem miofascial na parte interna, na parte central e na parte externa do gémeo, durante 30 segundos em cada área. Os pontos que lhe estiverem a doer mais são aqueles que precisam de mais carinho. Sim, este exercício é capaz de doer um bocadinho mas vale a pena.

 

2. Ponte de Glúteos com extensão da perna

ponte

Deitado na posição de decúbito dorsal, faça força com os calcanhares contra o chão, aperte os glúteos e eleve as ancas para formar uma ponte de glúteos, com os braços para cima. Uma vez nesta posição, estenda uma perna e forme uma linha recta entre os ombros, ancas e calcanhar. Aguente esta posição durante 20-30 segundos, mantendo sempre as ancas elevadas. Troque de perna e repita 5 vezes de cada lado.

 

3. Agachamento com extensão dos Braços

squat

Na posição de agachamento (calcanhares no chão e joelhos para fora), levante um braço para cima, levante o outro braço (olhe sempre para a sua mão) e depois levante ambos os braços ao mesmo tempo e volte à posição de pé. Se não conseguir fazer o agachamento sem levantar os calcanhares pode utilizar uma toalha enrolada ou uma tábua para manter os calcanhares elevados. Faça 2-3 séries e repita 8-10 vezes.

 

4. Agachamento Assistido com Bola Medicinal

squat cm bola

Na posição de pé, com os pés à largura dos ombros e ligeiramente rodados para fora, segure uma bola medicinal (ou um balde de bolas cheio) à frente do corpo, e comece a baixar lentamente para a posição de agachamento mantendo as costas direitas e sem levantar os calcanhares do chão. Faça 2-3 séries e repita 10-12 vezes.

Espero que estes exercícios lhe possam ser úteis, e lembre-se: o swing que consegue fazer está directamente relacionado com aquilo que o seu corpo está preparado para fazer.

Até breve!

Pedro Correia

 

Se ainda faz exercício para “queimar calorias”, ainda não percebeu a finalidade de um programa de treino físico e da importância que o movimento tem nas nossas vidas. O menos importante do exercício é queimar calorias! E é isso que eu vou tentar explicar neste artigo.

Repare, muitas coisas queimam calorias: tomar banho, comer e digerir pastéis de belém, conduzir o carro, engomar, ver filmes de terror, limpar a casa e o famigerado “andar a pé” (muita gente ainda pensa que isto resulta para ganhar massa magra!). Aquilo que sei, é que estas actividades, embora gastem calorias, de certeza que não vão ajudá-lo(a) a ter o corpo que quer e o corpo que precisa para ter uma vida com qualidade.

O poder do exercício vai muito além da queima da calorias, o gasto calórico é apenas um efeito secundário (agradável) do tipo de exercício que realizamos. O exercício consiste em potenciar a libertação de moléculas e hormonas poderosas que “falam” com os orgãos do nosso corpo (não são apenas os alimentos que têm este tipo de influência), e que determinam aquilo que vai acontecer. E, normalmente, quanto maior a intensidade, mais benéfica é a resposta hormonal.

Portanto, um programa de treino físico bem desenhado tem a ver com o aumento dos níveis de energia, precisão de movimento, vigor, força muscular, mobilidade, agilidade, velocidade, capacidade de trabalho e com uma melhoria do perfil hormonal.

A Febre das Calorias

Ainda vejo muitas pessoas preocupadas com as calorias dos alimentos, com as calorias que gastam a fazer exercício, com as calorias que consomem por dia e pergunto: Como é que chegamos até aqui? Que tipo de mensagem é que anda a ser propagada para que as pessoas estejam tão obcecadas com as calorias? Será que a contagem de calorias é assim tão importante? Vamos ver.

Os cientistas, para descobrirem a quantidade de energia dos alimentos, queimam amostras de alimentos numa bomba de calor. E, que eu tenha conhecimento, uma bomba de calor não tem a mesma fisiologia e composição genética de um ser humano. Que eu saiba, uma bomba de calor não depende do funcionamento dos vários sistemas do corpo humano que, por mero acaso, têm um papel fundamental na forma como essa energia é aproveitada e utilizada (exemplos: sistema digestivo, endócrino e nervoso). Este tipo de pensamento não me parece ser sustentado e tenho muitas dúvidas da sua eficácia no longo prazo. Este tipo de pensamento é demasiado redutor e não resolve o principal problema – a falta de educação das pessoas no que diz respeito à importância daquilo que comemos ao longo das nossas vidas. Será que sou só eu que acha estranho que a maior parte das pessoas informa-se mais sobre os seus telemóveis, carros e computadores do que com a origem e composição da sua própria comida?

Aliás, basta olharmos à nossa volta para percebermos que este não é o caminho!

É verdade que se temos o objectivo de perder massa gorda, é preciso criar um défice energético, ou seja, a relação entre a quantidade de calorias (energia) que entra no nosso organismo e a quantidade de energia (calorias) queimada, tem que ser negativa. Essa é a regra número um nos programas de perda de peso mais rígidos e por isso é que vemos os concorrentes do Peso Pesado a treinar várias vezes por dia.

(Nota: recordo que o Peso Pesado é um concurso em que o objectivo é perder peso no menor tempo possível, não é um concurso para ver quem é que sai de lá com mais saúde – se fosse assim não havia audiências).

No entanto, isto tem muito mais que se lhe diga. Existem calorias boas e calorias más. Os alimentos que ingerimos, além de terem um determinado número de calorias (que, em bom rigor, pode ser bastante impreciso e variável entre si), têm também diferentes propriedades no que diz respeito à sua composição de macronutrientes (proteína, gordura, hidratos de carbono) e micronutrientes (minerais, vitaminas, fitoquímicos). E são estas propriedades e compostos bioactivos que fazem a diferença e que devem ser estudadas inicialmente. Na minha forma de ver as coisas, a lógica é aferir em primeiro lugar a funcionalidade dos alimentos (os seus nutrientes) e depois então olhar para a sua densidade calórica, que também pode ser mais ou menos funcional em função dos objectivos, morfologia e condições específicas de cada indivíduo.

(Nota: se ainda pensa que as dietas baixas em gordura são as mais adequadas para perder peso veja os seguintes estudos publicados em 2003 no reputado New England Journal of Medicine aqui e aqui, onde ficou demonstrado que as pessoas com uma dieta rica em proteína e gordura e baixa em hidratos de carbono perderam duas vezes mais peso que aquelas pessoas numa dieta baixa em gordura, a dieta geralmente recomendada pelas principais organizações de saúde).

Voltando às calorias…

Uma vez que esses nutrientes vão depender do funcionamento do nosso sistema digestivo – que, por sua vez, é governado pelo sistema endócrino (pense em hormonas) e pelo sistema nervoso (pense em neurotransmissores) – e da saúde dos orgãos envolvidos no processo de digestão (boca, esófago, estômago, pâncreas, intestino delgado, intestino grosso, fígado, vesícula biliar) está bom de ver que a teia de relações existente no corpo humano é bem mais complexa que a simples contagem de calorias. O Albert Einstein tem uma frase que se encaixa perfeitamente aqui: “make everything as simple as possible, but not simpler”, ou seja, torne as coisas o mais simples possível, mas não mais simplistas.

Aquela famosa frase que diz que “nós somos aquilo que comemos” é apenas parcialmente verdade. Na realidade, nós somos aquilo que comemos, digerimos e absorvemos.

O Poder do Exercício

Quem está minimamente informado no mundo do exercício já sabe que o treino contínuo de longa duração não é o mais adequado para melhorar a composição corporal e pode até ter efeitos opostos (catabólicos), devido ao aumento mais pronunciado dos níveis de cortisol.

Já se sabe disto há muito tempo mas de qualquer forma é sempre importante relembrar. Este estudo publicado por Tremblay A, Simoneau JA, Bouchard C., em 1994, atesta isso mesmo: o grupo que fez 15 semanas de treino intervalado, queimou NOVE VEZES mais gordura que o grupo que fez treino aeróbio. E isto em metade do tempo!

Aquilo que precisa para “queimar calorias” é de aumentar a intensidade dos treinos por determinados períodos de tempo, é este tipo de estímulo que vai elevar o seu metabolismo e acelerar a perda de gordura. Neste estudo, uma sessão de treino de 30 minutos de treino de resistência metabólico em circuito, provocou um aumento de 38 horas no metabolismo – o célebre efeito afterburn ou EPOC (post-exercise oxygen consumption). Vamos colocar isto em perspectiva. Digamos que treinou desta forma na sexta feira de manhã. Por via deste tipo de estímulo o seu corpo vai estar ainda em modo de “queima de gordura” no sábado à noite, quando for jantar com os seus amigos ou com a sua/seu namorada(o).

E porquê que eu insisto na combinação entre uma boa dieta e bom exercício? Porque estou atento àquilo que diz a evidência nesta área. Este estudo de 1999 mostrou que aqueles que fizeram treino aeróbio e treino de força com uma dieta baixa em calorias queimaram 44% mais gordura do que aqueles que seguiram apenas as orientações da dieta. Tal como tenho vindo a dizer, a dieta é o componente mais importante para aquelas pessoas que querem perder massa gorda, no entanto, uma vez que esse aspecto está assegurado, só o treino de força e o treino intervalado podem realmente levar os seus resultados para um nível superior. Na minha opinião, o facto deste estudo ter sido feito tendo por base uma dieta baixa em calorias e com a inclusão de treino aeróbio é limitativo, mas temos que perceber que normalmente são estas as guidelines da ACSM (American College of Sports Medicine). As guidelines deveriam ter como objetivo facilitar a orientação dos profissionais, mas, infelizmente, não é isso que tenho observado, quando falo com alguns colegas.

Creio que já deu para perceber que o tipo de treino que faz pode ser, de facto, um grande aliado para colocar o seu corpo numa situação de défice energético e consequente queima de gordura. Agora vou tentar explicar porquê que isto é o menos importante de tudo. Não se vá embora ainda!

Tal como a nutrição, o exercício físico é chave para a melhoria da saúde, performance e composição corporal. Provavelmente, já estão fartos de ouvir isso. Mas não é qualquer tipo de exercício físico que resulta. Fazer centenas de crunches para perder barriga, utilizar todas as máquinas do ginásio, correr 10 quilómetros por dia, fazer Pilates duas vezes por semana e fazer 100 power cleans no menor tempo possível, não é suficiente. Podem chamar isto de exercício físico, se quiserem, mas não é apenas deste tipo de exercício físico que o nosso corpo precisa. É preciso uma abordagem mais abrangente.

Precisamos de Bom Movimento (não devemos começar logo a correr)

A lógica do “mexa-se mais pela sua saúde” é insuficiente para as nossas reais necessidades e para melhorarmos a qualidade de vida. Nós precisamos de bom movimento, nós precisamos de adquirir competência de movimento em primeiro lugar. Estou a falar da capacidade de realizar movimentos fundamentais com boa forma. Padrões de movimento fundamentais e funcionais para a nossa vida, tais como: agachar, levantar, empurrar, puxar, andar, lançar, rodar, correr e saltar.

Foto 2 Ainda Faz Exercício para....

Do meu ponto de vista correr deveria ser a última etapa no nosso desenvolvimento neuromuscular e, no entanto, o que não falta são pessoas a correr todas tortas e com evidente défice de força muscular. Mas o problema não é delas, elas até estão a tentar fazer alguma coisa pela sua saúde (e provavelmente é só isso que sabem), o problema é que a maioria delas não sabe que correr é uma habilidade, que requer preparação, prática e treino. O Cristiano Ronaldo não se tornou no melhor jogador do Mundo de um dia para outro, foram precisas muitas horas de treino (no campo e no ginásio) para chegar a este nível. Apesar de ser relativamente fácil e acessível a qualquer pessoa calçar as sapatilhas e ir para a rua, correr também requer preparação, prática e treino (técnico e físico).

É preciso ter estabilidade, mobilidade, força (cada passada que damos no chão está sujeita à ação da gravidade e à velocidade que corremos, gerando forças de 2 a 5 vezes o nosso peso corporal), simetria, movimento de qualidade e boa saúde músculo-esquelética. Correr para ficar saudável e/ou ficar em forma é uma das maiores agressões físicas que podemos fazer ao nosso corpo se não tivermos uma fundação sólida. Primeiro, é preciso estar em boa forma para correr. Se você não tiver boa competência de movimento, o mais provável é acabar lesionado. Segundo a literatura disponível a taxa de incidência de lesão nos corredores pode passar os 90%, isto é mais que qualquer uma modalidade desportiva. Fascites plantares, fracturas de stress, tendinites patelares e dor patelo-femural, são apenas alguns exemplos. Veja esta revisão sistemática se estiver interessado em saber mais.

Mais uma vez, não me interpretem mal, eu não sou anti-corrida e admiro o esforço e capacidade de sofrimento dos corredores. Acho que todos nós devíamos ser capazes de correr (aliás, foi assim que evoluímos enquanto espécie), o problema é que a maioria das pessoas que corre não está devidamente preparada para correr e há etapas fundamentais de aprendizagem que não devem ser descuradas, para prevenirmos desequilíbrios estruturais no funcionamento do sistema músculo-esquelético e potenciais lesões. Cá está, a lógica do “mexa-se mais” não é suficiente.

Uma nova forma de olhar para o Treino

Diferentes tipos de treino podem alterar a forma de funcionamento dos nossos genes e a forma como os mesmos interagem com as nossas células. Com um tipo de treino adequado é possível diminuir a inflamação crónica, melhorar a sensibilidade à insulina, fortalecer o sistema cardiovascular, melhorar o perfil lipídico, abrandar o envelhecimento normal, queimar gordura (como vimos em maior detalhe acima), aumentar a confiança / auto-estima, aumentar os níveis de energia, aumentar a força mental, melhorar os padrões de movimento fundamentais, melhorar uma série de competências físicas que nós precisamos para a nossa vida diária ou desportiva (tais como força, estabilidade, mobilidade, equilíbrio, velocidade, potência, resistência e coordenação) e melhorar o funcionamento dos vários sistemas de energia (ATP-CP, glicolítico e oxidativo). À medida que envelhecemos estas competências diminuem naturalmente, mas a vantagem é que, com um programa de treino mais funcional, é possível inverter e/ou pelo menos atenuar este declínio.

A maioria das pessoas pensa que os genes são o cérebro da célula, elas acreditam que se os genes não lhe dizem o que fazer, a célula morre. Mas se retirar os genes da célula, a célula continua a estar viva, a eliminar produtos de desperdício e a comportar-se tal como outra célula. Portanto, em vez dos genes serem o cérebro da célula, olhe para os genes como se fosse o seu manual de instruções / reparações. Quando uma parte desgastada da célula precisa de ser reparada ou quando novas substâncias precisam de ser produzidas, os genes vão dar as instruções para tal.

Cada célula do nosso corpo está envolvida por uma membrana gordurosa, que está repleta de milhares de receptores. Estes receptores recebem informações de diferentes partes do corpo e passam essa informação para dentro da célula, para formar / codificar novas proteínas, queimar mais ou menos gordura, etc. (Nota: é por este motivo que é importante comermos gorduras de boa qualidade e evitar as gorduras hidrogenadas presentes em grande parte dos alimentos processados, para tornar a membrana celular mais permeável à entrada de nutrientes). É esta membrana com receptores o centro de comando da célula, pelo que se removermos estes receptores da membrana, as células morrem. Isto significa que a função das nossas células é altamente influenciada for factores externos, através de hormonas e outras moléculas que se ligam a estes receptores.

Estas moléculas mensageiras não são criadas aleatoriamente pelo nosso corpo, elas são criadas em função do nosso estilo de vida, dieta, pensamentos, comportamentos, temperatura, luz, som e…tipo de treino. É possível nascermos com alguns genes defeituosos – por exemplo os BRCA 1 e BRCA 2, que aumentam o risco de cancro da mama – mas são estas moléculas mensageiras / hormonas que vão determinar a activação desses genes. Portanto, controlar estas hormonas significa controlar o corpo.

(Nota: Não acham estranho que quase 90% dos cuidados de saúde estão relacionados com a resolução de problemas de saúde, quando 80% dos problemas de saúde / doenças surgem por via do nosso estilo de vida e do ambiente a que estamos expostos? Veja esta TED talk do Dan Buettner para perceber porquê que estamos a caminhar na direcção errada).

O exercício de alta intensidade é aquele que favorece um ambiente hormonal mais favorável, com um aumento de hormonas como a testosterona, hormona do crescimento e IGF-1, de interleucinas com um papel importante na inflamação (IL-6), na manutenção do tecido muscular (IL-15) e na formação de novos vasos sanguíneos (IL-8), de ácido láctico (que tem a capacidade de nos tornar mais jovens ao estimular a libertação de testosterona e hormona de crescimento) e de óxido nítrico, um vasodilatador que tem um papel fundamental na regulação da tensão arterial, aumento de força e disfunção eréctil. Infelizmente, a corrida de longa duração não produz os mesmos efeitos. Movimentos compostos, que requerem uma combinação de força e resistência, em períodos curtos de tempo, são aqueles que vão pôr os seus músculos a “falar” mais com o seu corpo. A queima de calorias é apenas um efeito secundário pouco significativo, quando comparado com a quantidade de hormonas e outras moléculas de sinalização que influenciam a forma como o nosso corpo funciona.

Para que fique claro, estamos a falar de intensidade conjugada com movimento de qualidade. Intensidade conjugada com mau movimento vai ter o efeito contrário: LESĀO.

Conclusão

É urgente dar lugar a uma nova mentalidade no que diz respeito à importância de treinar melhor as competências que vamos precisar ao longo das nossas vidas. E esta é uma séria limitação da maioria das aulas de grupo típicas dos ginásios convencionais. Os instrutores são obrigados a respeitar os tempos e a coreografia. O feedback individualizado é quase inexistente. As pessoas quase que não têm tempo para perceber, quanto mais para aprender os movimentos. E ninguém aprende nada de especial se não souber para quê que isso serve, ninguém aprende nada se não souber, ou melhor, se não sentir quais são as suas implicações práticas. Além disso, a maioria das máquinas nos ginásios inibem a lógica de percepção sensorial e corporal que nós, seres humanos, precisamos. Nós vivemos num mundo tri-dimensional, num mundo de constante adaptação e exploração espacial, portanto não faz sentido que sejam as máquinas e as coreografias das aulas de grupo a ditar as regras do nosso movimento.

E porquê que é importante aprender movimentos eficientes? Em primeiro lugar, um movimento eficiente acontece quando um corpo tem a capacidade de produzir força através de uma acção coordenada entre os vários segmentos do corpo, sem desperdícios de energia e demonstrando uma habilidade natural para explorar uma amplitude de movimento máxima. Em segundo lugar, são estes movimentos eficientes que lhe vão permitir brincar mais tempo com os seus filhos, mudar os móveis lá em casa, melhorar a sua performance no dia-a-dia, no seu trabalho e nas actividades de fim de semana.

Olhe para este tipo de treino como a fundação, o suporte que precisa para ficar mais forte, mais rápido, mais inteligente, mais ágil, mais competente numa série de atributos físicos que lhe vão permitir render mais nas actividades que gosta de fazer. Gostava de começar a jogar Ténis? Golfe? Voleibol? Gostava de começar a fazer Surf? Paddle Board? Halterofilismo? Powerlifting? Dança? Escalada? Triatlo? Gostava de ficar mais rápido quando vai jogar futebol durante a semana com os seus amigos? Obviamente que cada modalidade tem as suas habilidades específicas, mas todas elas partilham da mesma fundação: da capacidade de adaptação do ser humano. Para melhorar de forma segura nestas habilidades específicas, primeiro é preciso melhorar nos padrões de movimento fundamentais. E para melhorar de forma sustentável nos padrões de movimento fundamentais, é preciso treinar melhor e respeitar as etapas de desenvolvimento de cada um.

Resumindo, a grande vantagem de treinar melhor (e recordo aquilo que vimos sobre o poder do exercício, bom movimento e a nova forma de olhar para o treino) consiste em melhorar a sua qualidade de vida, maximizar a sua performance e, sobretudo, dar-lhe a liberdade e a autonomia necessárias para escolher a actividade / modalidade que sempre quis experimentar mas que nunca teve coragem ou oportunidade.

Pense nestas coisas na próxima vez que for ao ginásio, andar na passadeira, colocar os auscultadores e ver uma série qualquer na TV durante 40 minutos, enquanto olha de soslaio para as calorias queimadas no monitor e para os exercícios que as outras pessoas fazem.

Até breve!

Pedro Correia

Referências

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Björntorp P. Hormonal control of regional fat distribution. Hum Reprod. 1997 Oct;12 Suppl 1:21-5. Review.

Frederick F. Samaha, M.D., Nayyar Iqbal, M.D., Prakash Seshadri, M.D., Kathryn L. Chicano, C.R.N.P., Denise A. Daily, R.D., Joyce McGrory, C.R.N.P., Terrence Williams, B.S., Monica Williams, B.S., Edward J. Gracely, Ph.D., and Linda Stern, M.D. A Low- Carbohydrate as Compared with a Low-Fat Diet in Severe Obesity. N Engl J Med 2003; 348:2074-2081.

Gary D. Foster, Ph.D., Holly R. Wyatt, M.D., James O. Hill, Ph.D., Brian G. McGuckin, Ed.M., Carrie Brill, B.S., B. Selma Mohammed, M.D., Ph.D., Philippe O. Szapary, M.D., Daniel J. Rader, M.D., Joel S. Edman, D.Sc., and Samuel Klein, M.D. A Randomized Trial of a Low-Carbohydrate Diet for Obesity. N Engl J Med 2003; 348:2082-2090.

Houston, M. What your doctor may not tell you about Heart Disease. Grand Central Life & Style (2012).

Kraemer WJ, Volek JS, Clark KL, Gordon SE, Puhl SM, Koziris LP, McBride JM, Triplett- McBride NT, Putukian M, Newton RU, Häkkinen K, Bush JA, Sebastianelli WJ.

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Schuenke MD, Mikat RP, McBride JM. Effect of an acute period of resistance exercise on excess post-exercise oxygen consumption: implications for body mass management. Eur J Appl Physiol. 2002 Mar;86(5):411-7. Epub 2002 Jan 29.

Tremblay A, Simoneau JA, Bouchard C. Impact of exercise intensity on body fatness and skeletal muscle metabolism. Metabolism. 1994 Jul;43(7):814-8.

van Gent RN, Siem D, van Middelkoop M, et al Incidence and determinants of lower extremity running injuries in long distance runners: a systematic review British Journal of Sports Medicine 2007;41:469-480.

 

“We don’t believe there is one way to swing a club; we believe there are an infinite number of ways to swing a club. But we do believe there is one efficient way for all golfers to swing a club and it is based on what they can physically do.”

– Titleist Performance Institute

Se está a ler isto é porque provavelmente está interessado em melhorar a sua condição física para fazer mais birdies, bater drives mais longos e para aumentar a sua longevidade enquanto golfista. Ou, se calhar, o seu objetivo é tornar-se no melhor jogador do seu Clube ou ganhar o próximo Campeonato de Match Play. Não importa qual seja a sua motivação, o facto é que se o objetivo é melhorar o seu jogo, isto vai exigir que se prepare um pouco melhor que a maioria dos golfistas que eu conheço. E melhor não significa necessariamente treinar mais tempo!

Se ainda é daqueles jogadores que passa horas e horas a bater baldes de bolas no driving range na expectativa que isso o vai ajudar a melhorar o seu jogo de golfe, precisa de mudar de estratégia. Bater baldes de bolas no driving range e fazer uns chips e putts não é suficiente. Se quer verdadeiramente melhorar a sua performance neste desporto, precisa de incluir na sua prática exercícios de desenvolvimento atlético geral e treino físico específico de golfe, de forma progressiva e periodizada.

Isto significa que aquilo que normalmente vê no ginásio não tem nada a ver com aquilo que precisa para bater mais longe, mais direito e para aguentar os 18 buracos sem se cansar tanto.

Primeiro: Será que o seu swing é eficiente?

A única forma de determinar se o seu swing de golfe é eficiente ou não é através de uma Análise Biomecânica em 3D. Aquilo que podemos ver na tradicional captação de imagens por vídeo utilizada pela maior parte dos profissionais / professores de golfe é apenas o estilo de swing. Há muitos jogadores de golfe que não têm um swing particularmente atrativo (por exemplo Raymond Floyd, Jim Furyk ou John Daly) mas a razão pela qual estes jogadores tiveram ou têm sucesso é porque o seu swing é eficiente. Ter um swing eficiente para um golfista significa transferir energia (sem desperdícios) desde os pés, joelhos, ancas, coluna, ombros, braços, pulsos até à cabeça do taco e, em última instância, até à bola. Com os dados obtidos através do sistema 3D, podemos verificar a sequência cinemática de cada jogador, ou seja, podemos medir a velocidade de rotação de cada segmento corporal envolvido na execução do swing de golfe e determinar se cada segmento está a acelerar e a desacelerar corretamente.

Quando olhamos para o swing do Jim Furyk e para o swing do Ernie Els através da análise em vídeo (e a olho nu), podemos verificar que ambos os swings são bastante diferentes um do outro, no entanto, quando olhamos para a sequência cinemática de cada um, verificamos que é difícil encontrar uma diferença significativa entre ambos os swings. Isto significa que, apesar do Ernie Els e do Jim Furyk terem estilos de swing completamente diferentes, ambos partilham a mesma sequência cinemática.

Todos os grandes jogadores começam por gerar velocidade a partir das ancas e transferem essa energia através do torso, braços e taco. Esta é sequência eficiente no downswing.

O swing de golfe é um movimento complexo multidimensional que implica uma acção altamente coordenada de toda a cadeia cinética (pés, joelhos, ancas, coluna, ombros, braços e pulsos) e que demora menos de dois segundos. O swing de golfe é, portanto, um movimento balístico, que, para executar de forma eficiente, isto é, com uma sequência cinemática correcta, é necessário que os vários segmentos do corpo estejam devidamente preparados para lidar com as forças de torsão e rotação inerentes a esse movimento. Daí a importância do que vem a seguir.

Segundo: A Avaliação Física no Golfe

Antes de chegarmos à parte do treino físico propriamente dito, é importante que fique a conhecer quais são as suas limitações físicas e assimetrias em termos de movimento (uma das principais causas de lesão). Para isso é fundamental que realize uma avaliação funcional para o golfe, de preferência com alguém certificado que saiba aquilo que está a fazer. Da mesma forma que vai ao médico fazer exames para saber como estão os seus marcadores de saúde, deve também fazer uma avaliação inicial com um profissional especialista em golfe, para saber como se está a portar o seu corpo durante um swing de golfe e quais são as principais limitações / compensações.

A Avaliação física no golfe consiste na realização de vários testes com a finalidade de aferir a funcionalidade dos padrões de movimento corporais necessários para o golfe, ou seja, na medição de vários indicadores da sua estabilidade, mobilidade, equilíbrio e vários parâmetros de rendimento como a força, potência e capacidade cardiovascular.

Este tipo de avaliação constitui o ponto de partida para jogar melhor e para prevenir lesões. Se ainda parte do princípio que está tudo bem com o seu corpo e que não precisa de qualquer tipo de intervenção a este nível, o mais provável é que esteja errado e/ou que seja um milagre da Natureza. O nosso corpo não foi desenhado para levarmos o estilo de vida que levamos hoje em dia, portanto pode ter quase a certeza que existem aspectos no seu corpo que precisam de algum trabalho. Se ainda não acredita em mim pense, por exemplo, nos golfistas que conhece que nunca se tenham queixado de dores nas costas ou de dores noutra parte do corpo (pulsos, ombros, cotovelo – golfer’s elbow).

O seu corpo é a peça de equipamento determinante no seu jogo. A qualidade dos tacos, bolas, luvas, sapatos e o mais recente drive ou putt do mercado, não são, certamente, os aspectos mais importantes. Ainda vejo muitos golfistas demasiado preocupados com os adereços e com o estilo de roupa, quando na verdade isso é o menos importante para fazer mais birdies. Aquilo que, de facto, lhe vai trazer melhores resultados é a melhoria das competências funcionais do seu corpo para bater a bola de forma mais eficiente e segura.

Notas Finais

A primeira parte desta série de artigos tem como finalidade chamar a sua atenção para a importância de avaliar a funcionalidade do seu corpo para jogar melhor e durante mais tempo. Muitos jogadores não conseguem executar um swing de golfe eficiente, não só porque o próprio movimento é complexo, mas também porque os seus corpos não estão devidamente preparados para lidar com as forças geradas durante o movimento.

Tenha isto presente na próxima vez que for bater bolas ou que tiver uma aula com o seu professor, se calhar é este o motivo pelo qual não consegue fazer aquilo que o seu professor lhe pede para fazer. Não adianta insistir constantemente na melhoria da técnica se não houver um acompanhamento sinérgico na melhoria das competências físicas. O swing que consegue fazer está diretamente relacionado com aquilo que o seu corpo está preparado para fazer – pense no taco de golfe como uma extensão do seu corpo.

Durante os próximos artigos vamos apresentar as características mais comuns nesta relação entre o corpo e o swing de golfe e sugerir alguns exercícios para que possa melhorar a sua performance no campo de golfe.

Fique atento!

Pedro Correia