Após as últimas semanas de isolamento que vivemos, prepara-se agora gradualmente o regresso à normalidade. Uma normalidade que será ainda bastante diferente daquilo que conhecíamos, pedindo-se, nesta fase, que se aprenda a conviver com o vírus.
Ora bem, tendo em conta que o vírus veio para ficar e que vamos ter efetivamente de viver com ele, nunca foi tão importante cuidar da sua alimentação e estilo de vida para que o seu sistema imunitário tenha todas as ferramentas necessárias para combater este vírus de forma eficaz, caso haja um possível contágio.
Em primeiro lugar, é importante perceber, de forma muito simplista, como funciona este vírus. O SARS-CoV-2 tem a habilidade de estimular uma libertação descontrolada de citocinas pró-inflamatórias, levando a um efeito de tempestade de citocinas, causando lesão tecidual e danos graves no epitélio respiratório.
Assim sendo, parece que a palavra a reter é inflamação, sendo esta a causa dos danos graves e mesmo da morte. Extrapolando um pouco o raciocínio, quem sofre contágio com um status inflamatório mais elevado, está, à partida, em maior risco de sofrer danos mais severos. E é isso que se tem observado! As pessoas com comorbilidades, nomeadamente obesidade, doenças autoimunes, hipertensão arterial, cancros, são considerados grupos de risco para esta pandemia e possuem, também todos eles, estados inflamatórios mais acentuados.
Portanto, a chave parece ser trabalharmos nos nossos estilos de vida, para melhorarmos o nosso status inflamatório e assim diminuirmos o risco de sofrer de uma doença crónica não transmissível. Ao mesmo tempo, é importante fornecermos as ferramentas para que o nosso sistema imunitário seja capaz de uma resposta adequada em caso de contágio. Como é que isso se faz?
Em primeiro lugar, e isto é, de longe, o ponto mais importante de todo este artigo. O grande segredo, o grande milagre, a pílula mágica para melhorar a sua alimentação do dia para noite é só um, coma COMIDA! Mas comida de verdade, daquela que não tem ingredientes, nem rótulos, nem marketing ou alegações de saúde. Falo de carne, peixe, marisco, ovos, vegetais, fruta, oleaginosas. Simples assim!
Comer comida de verdade deixa-o num ponto muito mais à frente que a grande maioria das outras pessoas no que toca à capacidade de resposta do seu sistema imunitário. Isto porque, quando comemos alimentos de verdade, o seu organismo recebe uma panóplia variada de vitaminas, minerais, antioxidantes, fitoquímicos, polifenóis, tudo aquilo que o organismo necessita para funcionar de forma correta. No entanto, e tendo em conta as necessidades e os requisitos específicos de cada indivíduo, é de extrema importância a individualização, razão pela qual é essencial ser acompanhado por um profissional da área da nutrição.
Outro ponto de extrema importância e que está diretamente relacionado com o anterior: a nossa imunidade começa no intestino e, portanto, ter um microbiota diversificado e saudável e uma mucosa intestinal íntegra é essencial. Sabemos que o microbiota é um grande responsável pelo status inflamatório do organismo, sendo, portanto, de máxima importância cuidarmos das nossas bactérias intestinais.
Para tal, é essencial o consumo adequado de fibra, solúvel e insolúvel. E portanto, voltamos a falar de frutas e vegetais! Estas deverão estar presentes em grandes quantidades na dieta de todos nós. Para além da fibra, o consumo de alimentos fermentados deve ser incentivado, nomeadamente vegetais fermentados (como por exemplo chucrute), kombucha e kefir, como forma de modular o microbioma e reparar a mucosa intestinal.
Tendo em conta que o vírus SARS CoV-2 é relativamente recente, ainda não são muitos os estudos que nos mostrem quais os compostos ativos que têm uma ação direta no vírus. No entanto, conhecendo o mecanismo de atuação do SARS CoV-2, podemos aferir ou deduzir quais os compostos que vão atuar na diminuição da capacidade do vírus infetar as nossas células, diminuir a replicação viral e dar suporte ao nosso sistema imunológico.
Assim sendo, existem alguns compostos ativos, vitaminas e minerais que atuam nestas diferentes vias. Alguns destes compostos podem ser obtidos através de suplementação específica e outros através da alimentação. No entanto, é preciso relembrar que a suplementação deve ser prescrita por um profissional de saúde, tendo em conta as necessidades e o historial clínico de cada um. Não é adequado tomar suplementos sem haver um motivo clínico que o justifique.
Naturalmente que nenhum destes suplementos impede o contágio e, neste sentido, apenas as medidas de higiene adequadas e o distanciamento social são eficazes. Não obstante, em caso de contágio, o nosso sistema imunitário tem de ser o mais eficaz a combater o vírus e a diminuir os sintomas associados.
Os seguintes nutrientes e compostos ativos de forma isolada parecem ser grandes aliados:
Vitamina A: desempenha um papel importante na função imune, regulando as respostas imunes celulares e humorais (Huang et al., 2018). A nível alimentar pode ser encontrada nas vísceras dos animais, como fígado, e nas gemas dos ovos. A suplementação só deve ser considerada caso se confirmem défices a nível sérico.
Vitamina C: contribui para a defesa imunológica, melhorando a quimiotaxia e fagocitose (Beveridge, Wintergerst, Maggini and Hornig, 2008). A suplementação com vitamina C pode não ser necessária caso a ingestão alimentar seja adequada. Para isso, é necessário consumir frutas e vegetais ricos em vitamina C ao longo do dia, nomeadamente kiwis, citrinos, morangos, pimentos, agrião e salsa.
Vitamina D: participa na modulação da resposta tanto do sistema imune inato como adaptativo. Parece haver uma relação entre o status de vitamina D do indivíduo e a resposta antiviral contra infeções respiratórias (Jayawardena et al., 2020). A suplementação só deve acontecer caso existam défices, mas esta é muitas vezes necessária, especialmente durante os meses de Inverno.
Zinco: participa no funcionamento do sistema imunitário e diminui a replicação viral, reduzindo a gravidade das infeções. A deficiência de zinco está assim associada a uma maior susceptibilidade a infeções virais (Read, Obeid, Ahlenstiel and Ahlenstiel, 2019). No entanto, e uma vez mais, a suplementação só deve ser feita caso se verifiquem défices comprovados deste mineral. Na alimentação, pode ser encontrado nas ostras, na carne vermelha e nas sementes de girassol.
Selénio: possui propriedades anti-inflamatórias e um efeito antioxidante. A deficiência de selénio está associada com uma função imune mais débil (Rayman, 2012). O consumo diário de castanhas do Brasil pode auxiliar na obtenção de valores adequados de selénio no organismo.
Melatonina: tem um efeito antioxidante e anti-inflamatório e promove uma diminuição nas citocinas inflamatórias em circulação (Zhang et al., 2020). A suplementação pode ser necessária, dependendo das necessidades do indivíduo.
Estas são algumas das estratégias a aplicar em termos alimentares. No entanto é importante (re)lembrar que as mudanças a efetuar devem ser de estilo de vida, onde se devem incluir hábitos de exercício físico regular, adequação de padrões de sono, gestão de stress e diminuição da exposição a toxinas. Todas estas alterações contribuirão para a diminuição da inflamação e para melhoria da função do sistema imunitário, tão importante para os tempos actuais e para a melhoria da nossa qualidade de vida.
Andreia Luís de Castro
Referências:
Beveridge, S., Wintergerst, E., Maggini, S. and Hornig, D., 2008. Immune-enhancing role of vitamin C and zinc and effect on clinical conditions. Proceedings of the Nutrition Society, 67(OCE1).
Huang, Z., Liu, Y., Qi, G., Brand, D. and Zheng, S., 2018. Role of Vitamin A in the Immune System. Journal of Clinical Medicine, 7(9), p.258.
Jayawardena, R., Sooriyaarachchi, P., Chourdakis, M., Jeewandara, C. and Ranasinghe, P., 2020. Enhancing immunity in viral infections, with special emphasis on COVID-19: A review. Diabetes & Metabolic Syndrome: Clinical Research & Reviews, 14(4), pp.367-382.
Rayman, M., 2012. Selenium and human health. The Lancet, 379(9822), pp.1256-1268.
Read, S., Obeid, S., Ahlenstiel, C. and Ahlenstiel, G., 2019. The Role of Zinc in Antiviral Immunity. Advances in Nutrition, 10(4), pp.696-710.
Zhang, R., Wang, X., Ni, L., Di, X., Ma, B., Niu, S., Liu, C. and Reiter, R., 2020. COVID-19: Melatonin as a potential adjuvant treatment. Life Sciences, 250, p.117583.
A International Society of Sports Nutrition (ISSN) publicou um “position stand” em 2017 (ver referência abaixo) acerca da segurança e eficácia da suplementação com creatina no contexto do exercício, desporto e medicina.
A suplementação com creatina, um dos mais populares e estudados suplementos nutricionais, tem de facto mostrado ser eficaz em melhorar a performance atlética (sobretudo em exercício de alta intensidade) e induzir adaptações ao treino relevantes. O aumento consequente das reservas intramusculares de creatina (e fosfocreatina) facilita a ressíntese rápida de ATP, denominada como “moeda de troca” energética essencial para quase todas as reacções no nosso corpo. Assim, o aumento da disponibilidade de creatina na célula através da suplementação contribui para melhorar o desempenho, pois aumenta a disponibilidade de energia para exercício (i.e., contracção muscular), bem como para todo um espectro de outras reacções relacionadas com as células musculares. De facto, suplementação de creatina pode aumentar a capacidades de produção de força, trabalho muscular, acelerar a recuperação e ajudar a prevenir lesões.
Adicionalmente, a suplementação com creatina parece ser altamente segura e eficaz não só em atletas mas também em não-atletas (tais como os chamados entusiastas do exercício físico) e ainda em várias populações clínicas. De facto, vários estudos (ver artigo da ISSN, referência abaixo) apontam para benefícios na suplementação de creatina nas mais variadas populações e contextos clínicos, tais como:
– Acelerar a reabilitação de lesões (porque atenua a atrofia muscular);
– Protecção de lesões neuronais (medulares e cerebrais);
– Atenuar as consequências debilitantes em pessoas com síndromas congénitos de deficiência de síntese de creatina;
– Atenuar a progressão de doenças neurodegenerativas (e.g. doença de Huntington, doença de Parkinson, doenças mitocondriais, esclerose lateral amiotrófica)
– Prevenir e/ou melhorar a bioenergética em pacientes com isquemia do miocárdio ou vítimas de acidente vascular cerebral;
– Melhorar indicadores metabólicos e funcionais associados ao envelhecimento;
– Possível benefício durante a gravidez para o óptimo crescimento, desenvolvimento e saúde do feto.
Em conclusão, a creatina parece de facto ser um suplemento nutricional seguro e com benefícios para as mais variadas populações e idades. Este é um suplemento que de facto funciona!
Desfruta do poder da creatina!
Nuno Correia
Referências:
Kreider, R.B. et al., 2017. International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14(1), p.18. Available at: http://jissn.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12970-017-0173-z.